A Liberdade

Afinal, o que é a Liberdade? Muito se tem falado sobre essa palavra, sobre esse conceito, nos últimos dias, por força das comemorações do 42º aniversário da Revolução dos Cravos, mas, acredito, poucos sabem, verdadeiramente, o seu significado, poucos o vivem, em cada dia, ainda que achem, convictamente, que é um direito adquirido.

Não é por ter encerrado um ciclo de ditadura, feito uma revolução e instituir-se a democracia que, de repente, nos tornamos livres. Não é por deixar de haver censura formal, por deixar de haver polícia política, que, de repente, conseguimos dizer que somos, verdadeiramente, livres. Pelo contrário, quando olho para o mundo que me rodeia, vejo gente presa que se acha livre, vejo asas que não se abrem para voar, vejo gente que bate no peito para declamar uma liberdade, mas que, na realidade, têm mais grilhões do que muitos que vivem em celas por crimes que cometeram.

A liberdade não se adquire por decreto, não se conquista por uma revolução que manda um regime abaixo e se institui outro, não se instaura porque agora há um governo duma suposta esquerda, em contraposição a um de direita, ou vice-versa. A liberdade, acredito, conquista-se, primeiro que tudo, dentro de nós mesmos, quando nos conhecemos, quando somos capazes de lutar por quem somos, de aceitar a responsabilidade pelos nossos actos, pelos nossos pensamentos e convicções.

Não nascemos livres, mas nascemos com a capacidade de encontrarmos a nossa própria liberdade. Nascemos ligados a uma mãe, a um pai, a uma família, a um país. Somos registados, são-nos atribuídos números, filiações e condicionantes. Tal não está errado, pelo contrário, são as regras de um jogo chamado Sociedade, que precisamos de aprender a jogar, sob pena de nos extinguirmos bem rapidamente. Não acredito em anarquia, seja ela de que forma for, simplesmente porque ainda não crescemos enquanto humanidade, ainda não somos capazes de respeitar o nosso semelhante como a nós mesmos, ainda não somos capazes de caminhar todos no mesmo sentido, apesar de sermos, cada um de nós, únicos. Ainda não somos capazes de nos reconhecer como únicos.

Olho à minha volta, a cada dia, e vejo gente que se diz livre, mas que vive presa nos seus conceitos, nos seus medos, nas suas dependências, gritando alto que faz o que quer, mas que vive condicionada por tudo aquilo que lhe ensinaram, que experienciou, que, principalmente, a magoou. Gente que se diz livre, mas que não arrisca ser feliz num trabalho diferente, mais alinhado com a sua vocação, com o que lhe dá prazer, porque está presa àquele trabalho que a esgota e a deixa infeliz em cada dia, por causa do dinheiro e do conforto que ele lhe dá. Gente que se diz livre, mas que mantém uma relação morta, apagada e infeliz, só porque está presa às suas carências, aos seus medos e à falta de amor próprio. Gente que se diz livre, mas que aceita o que lhe dão, sem questionar, sem saber se é para si, sem se informar, sem se esclarecer.

Para muitos, a liberdade é um conceito, mas se o grupo onde estão inseridos diz que é daquela forma, por aquele caminho, que têm de ler aquela circular ou outra coisa qualquer, aceitar de cruz, caso contrário serão expulsos, afastados, segregados, discriminados, fazem, aceitam, cumprem, e a liberdade fica dentro da gaveta. Vemos isso nas famílias, nos clubes, nas associações, nas amizades, nos partidos políticos, nas empresas, e em todos os agentes de um regime que, supostamente, tem como base, a liberdade.

Acredito, como atrás referi, que a liberdade começa em cada um de nós, quando temos a audácia de sermos nós mesmos, de voar, ainda que à nossa volta estejam paredes grossas que nos limitam, a mergulhar, ainda que por cima de nós esteja um tecto. No entanto, essa conquista começa quando somos capazes de olhar para nós como seres únicos, quando nos respeitamos e amamos de tal forma, que não há limitações nem obstáculos que nos impeçam de fazer o que é o mais correcto para nós. Isto pode ser relativo, e até mal interpretado, mas se a minha liberdade começa quando me respeito, ela amplifica-se quando respeito o meu semelhante, quando sou capaz de preservar-me sem o pisar, sem o diminuir, sem o julgar. Se o faço, construo à minha volta uma muralha e prendo-me a ela com as correntes do meu próprio ego. Se, da mesma forma, não me respeitar a mim mesmo, se não reconhecer a beleza e a unicidade do meu ser, essas correntes que me prendem tornam-se ainda mais fortes e pesadas, e facilmente me afundo.

Em tempos difíceis como os que estamos a viver, aprender a ser livre é reconhecer que a minha verdade é tão profunda e válida como a do meu vizinho, a do meu irmão, que se pretendo que ela seja respeitada, então tenho de respeitar a dele também, sem extremismos nem soberba. Desse respeito nasce a conciliação e dela nasce a evolução, e é dessa forma que a liberdade, como uma semente plantada, desponta da terra e, com o cuidado de cada dia, cresce e se torna uma bela árvore, que dá flores e frutos, que cresce, que vive, que ultrapassa intempéries, que nos dá abrigo, nos protege e nos lembra que, ainda que aqui estejamos por apenas algumas décadas, é a nossa liberdade, o nosso exemplo, a nossa motivação, o maior legado que aos vindouros podemos deixar.

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