A História costuma ser contada no masculino, com as conquistas de territórios, com o sangue derramado e os músculos bem activados. As mulheres são os seres secundários, as coadjuvantes, as que aguardam aqueles que se aventuraram e um dia partiram para locais incertos. Contudo, os tempos mudaram. Ainda bem. São elas, nesta série, que são valorizadas e retratadas como as protagonistas e as dominantes de toda a situação. Mesmo que somente aflore os temas é o suficiente para que a ponta do véu seja levantada.
Três mulheres que tiveram um papel determinante na nossa sociedade e que, mesmo sendo a memória curta para muitos, deixaram uma marca duradoura e persistente. Ousadas, destemidas, guerreiras, atentas, cultas, inteligentes, belas, educadas e instruídas, criaram fermento num país que de tão cinzento se ameaçava apagar. Foram a luz que se acendeu num breu que se perpetuava.
Natália Correia, natural dos Açores, terra que a marcará para sempre e lhe deixará uma profunda saudade, vai ser uma das peças deste triângulo que movimenta a Lisboa dos anos sessenta e setenta do século passado. A sua casa é o local de reunião dos intelectuais afoitos, dos que se insurgem contra uma política cultural fraca e uma política real ainda mais ténue. Defensora da igualdade de direitos entre os homens e as mulheres será, mais tarde, eleita deputada. Antes disso, é condenada por ter escrito poesia que chocou o país, mas que foi lida e bem entendida pelos falsos censores. Funda “O Botequim”, casa onde a liberdade passa a ser a verdade e onde Lisboa deixa de ser uma cidade bacoca e vive um certo ar cosmopolita.
Maria Armanda Falcão, mais conhecida por Vera Lagoa, mulher da televisão e mentora do concurso de beleza “Miss Portugal”, foi uma mulher de destaque pelo trabalho desenvolvido em prol da sociedade e sobretudo das mulheres, se bem que mal-entendido à época. Usando a sua vasta cultura e conhecimento através das crónicas sociais, coloca o dedo nas feridas e aponta o dedo com ironia às hipocrisias da sociedade. Criando a categoria de jornalista abre a porta para uma carreira que era desconhecida às mulheres. No entanto, o seu trabalho passou igualmente pelo secretariado e pela tradução. Deve-se a ela a criação do jornal “O Diabo”, conhecido por não ter “papas na língua” e onde eram denunciadas todas as irregularidades.
Ebba, ou Snu Abecassis, é a mais jovem e a única estrangeira do grupo. Conhece Vasco Abecassis em Londres, onde estudam. Uma dinamarquesa habituada a um certo desenvolvimento que encontra um país escuro e parado num tempo impreciso e incerto. Não se conforma com o que vê e quer mudar o que estiver ao seu alcance. Tudo faz para concretizar a sua ideia e será a primeira mulher à frente de uma editora, a Publicações D. Quixote, que terá alguns dissabores com o regime político. A sua direcção tem a coragem e a ousadia de o enfrentar e publica as obras que entende que fazem falta e são importantes e esclarecedoras.
Interessante o modo como se faz o cruzamento das personagens e as suas vidas privadas e profissionais. Ao mesmo tempo mergulha-se numa época de cinzentismo cultural, de escuridão social e de pequenez geral. O compadrio e as denúncias faziam com que vidas ficassem destroçadas e arruinadas. Um passado muito próximo e familiar que se torna assustador. Não é só o país que é assolado, mas também as pessoas e sobretudo as mulheres que ainda não têm os seus direitos básicos assegurados. São mães, filhas, irmãs ou esposas e não pessoas ou profissionais. A ver ou rever. Com muita atenção.