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Dura Praxis Sed Praxis

“A praxe é dura, mas é a praxe” é o mote baseado no latim: Dura Lex Sed Lex (“A lei é dura, mas é a lei”). Não tem que ser. É certo que foi criada com os objectivos mais nobres, com vista a integração e à diminuição da distância entre o aluno mais novo e o que por lá anda há mais tempo, tanto para lhe conferir mais que o título de Veterano, o máximo, de Dux.

O que é um Dux afinal? E o que é, efectivamente, a praxe? Qual a sua origem?

A praxe teve origem na Universidade de Coimbra e, durante vários séculos, foi apenas ritual desta universidade. Com períodos violentos e contornos mais ou menos conturbados, era praticada por um grupo de estudantes com estatuto de polícia civil, cujo objectivo era o de zelar pela ordem no campus, fazer cumprir as horas de estudo e recolher obrigatórios por professores e alunos, sob pena de prisão. Esta força policial estava também incumbida de evitar a entrada na Universidade por habitantes que não fossem alunos, ou professores. Ali estavam, docentes e discentes, como confinados e quase como em Las Vegas: o que ali se passasse, ali ficava.

Com a Implantação da República em 1910, a praxe vê-se abolida por estudantes republicanos anti-praxe, porém, foi sol de pouca dura e terá sido reposta 9 anos depois. Mesmo durante a ditadura a praxe permaneceu dentro das paredes do campus de Coimbra, com as vozes contrárias de escritores e pensadores rejeitadas, sendo apenas incitadas actividades lúdicas, como o fado e a tertúlia. Durante este período, as praxes na Universidade de Coimbra relacionaram-se com a actividade de luta estudantil contra o ditadura em vigor. Em 1969, Coimbra estava sob uma profunda crise académica, que originou uma greve generalizada dos estudantes aos exames, que culminou no Luto Académico e na suspensão da praxe. Assim, a praxe assumia um claro e vincado posicionamento anti-fascista, em jeito de luta contra o regime vivido em Portugal.

Após a queda do regime fascista a 25 de Abril de 1974, a praxe continuou a ser rejeitada pelos estudantes do ensino superior, até princípio dos anos 80. Somente por esta altura se começa a verificar a praxe em Lisboa, praticada ainda que de modo envergonhado, por não ser uma cidade com estatuto académico. Porém, devagar se vai ao longe e Lisboa é hoje também ela académica, que muito pratica a praxe e nem sempre da forma mais adequada.

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Nos últimos anos, têm sido vários os casos de violência física e psicológica, exercida sob os caloiros. A praxe rege-se por códigos que são aprovados por um grupo restrito de uma comunidade estudantil, que têm por base um poder não-democrático, que de certo modo faz lembrar aquele regime fascista que tanto contra ele um dia se lutou. Como qualquer grupo organizado que se preze tem o seu representante, o estudantil não seria excepção e é então que surge o Dux.

Dux, que significa líder em latim, é o representante máximo na praxe e o presidente do Conselho de Veteranos, que é normalmente eleito pelo maior número de matrículas que detém. O cargo é vitalício, o que significa que permanece Dux até terminar o curso, ou seja, por tempo indeterminado. Ora, esta condição, logo à partida, deveria ser alvo de chacota e não de admiração. É que atribuir a presidência de praxe académica a um aluno com o maior número de matrículas não parece ser exemplo a seguir, nem tão pouco motivo de orgulho. Não é líder que inspire, nem para que se aja de acordo com os seus mandamentos. Chega até a ser insultuoso para quem anda a estudar, que tantas vezes é trabalhador-estudante e que, ainda assim, acaba os seus estudos a tempo e horas.

Juntos, os Veteranos e o seu Dux, quando não acompanhados de bom senso, têm humilhado os novos estudantes, sob a justificação de que é a praxe e é dura, mas que esta reduz a distância entre os caloiros e os veteranos, aproxima os novatos e, apesar de veteranos, só porque ali andam há mais tempo, é também uma oportunidade de aprenderem com eles, coisas que pais e professores não podem ensinar. Em português corriqueiro: balelas. Até pode acontecer que a praxe se pratique de forma amistosa e justa e essa é a única que deve ser propagada, contudo, a história da praxe conta, na sua maioria, episódios de submissão que tantas vezes terminaram em violência.

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Quando a praxe está nas mãos que abusam do seu poder, a distância apenas aumenta e o respeito é ganho através do medo. Ao longo da história – note-se que tem-se escrito história e não estória, pois não nos baseamos na especulação, essa deixamos para os meios de comunicação social – têm-se verificado danos físicos graves derivados do mau uso da praxe, sendo alguns deles irreversíveis e que originaram processos-crime. Portanto, que não se pratique a praxe de ânimo leve, nem que se justifiquem acções que mudam vidas para sempre, com base na angariação de novas amizades.

Ultimamente, tem-se falado que a praxe pode ser caracterizada por um tipo de bullying colectivo e organizado. Apesar da literatura e dos estudos que já foram desenvolvidos sobre o bullying não referirem a prevalência deste fenómeno nas universidades, a verdade é que se pode considerar que, quando a praxe é levada ao extremo e comandada pelo tal Dux (um indivíduo com mais “poder”), sobre um caloiro, considerado mais fraco, é claro que este cenário pode e deve ser encarado como um episódio de bullying. Infelizmente, com o passar do tempo, o bullying está a sofrer cada vez mais mutações e a abarcar cada vez mais definições. Exemplo disso é o mobbing, que é caracterizado pela pressão psicológica exercida em contexto empresarial, tal como esta violência em contexto académico vivida nas últimas duas décadas pode dar origem a mais uma ramificação do conceito. Há muito que o bullying deixou de estar relacionado apenas e somente com a violência entre pares e é junto dos adultos que se verifica maior gravidade nas acções, em tom de violência gratuita e do estatuto que se adquire por se praticar o mal.

A praxe deve ser usada para incentivar a integração e quebrar o gelo, mas nunca através da humilhação, ou da vergonha. O ser humano não tem o direito de ser humilhado, ao contrário do que foi proferido numa recente intervenção a Favor da Praxe. Se assim fosse, para que é que um dia se escreveu a Declaração Universal dos Direitos Humanos e desde então se luta por direitos iguais?

Artigo 1º

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”

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Comments 1
  1. este artigo ficava mais esclarecedor se a equação proliferação das escolas superiores privadas e a sua necessidade de afirmação como a dos estudantes que sentiam a necessidade de se afirmarem como “universitários” ( uso da capa nunca vingou em Lisboa antes).Para compreender esta pratica dos Dux e praxes vale a pena aprofundar mais como se vêem a si proprios os acotres desta tragicocomedia.

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