Quando as calças não servem

Era uma vez um par de calças de ganga. Num belo dia esse par de calças foi colocado numa loja para venda. O entusiasmo era visível no seu rubor azul, pois era a primeira vez que aquele par se encontrava numa superfície comercial, no meio de tantas roupas, acessórios e pessoas. Tudo era novidade, os rostos, as cores, as luzes e dinâmicas. Com o passar do tempo todo o êxtase inicial deu lugar a uma grande tristeza. Ninguém queria comprar aquelas calças, pois elas não serviam a ninguém!

Nesta mini história, quem é que nunca foi este par de calças?

Ir às compras é tido como algo prazeroso, afinal vamos cuidar de nós e da nossa imagem! Deveria ser um momento de elevação da nossa autoestima, só que, muitas vezes, acontece o oposto. Tamanhos que não nos servem, espelhos que gritam que estamos mal e por aí vai…E quanto maior o nosso peso, maior a proporção de desilusão pelas roupas que não conseguimos encontrar.

Gosto de moda desde que me conheço. Adorava brincar com as minhas Barbies e tinha especial gosto no seu guarda-roupa. Em 2004 é lançado na SIC o programa que elegia a Miss Portugal desse ano, e eu passei horas infinitas a brincar às passerelles e aos estilistas. Além disso, consumi muito conteúdo sobre moda, ainda hoje, passados dezanove anos, o faço, porque gosto.

Todos temos conhecimento que existem padrões de beleza impostos pela indústria da moda. A mulher renascentista deu lugar a medidas que são a exceção, pois a regra é uma pluralidade de corpos e dimensões.

Na adolescência, o meu corpo correspondia mais ou menos ao considerado preferencial, no entanto, ao longo da minha vida tive amigas que se sentiam feias só porque a barriga não era lisa o suficiente, ou porque eram demasiado magras e sem curvas, ou robustas. A falta e o excesso sempre foram um problema. A questão é que essa falta e esse excesso nada tinham que ver com saúde. E, sim, com comparação, seja ela real ou editada. Quem é que nunca usou um filtro nas fotografias para parecer melhor?

No que se refere à roupa, usada para conforto, estilo, comunicação ou embelezamento, o problema mantém-se. Quem dita a moda são as passerelles, ainda que compremos no fast fashion.

Lembro-me de numa altura da minha vida, ouvir de amigos e conhecidos acerca das suas dificuldades em comprar roupas com números maiores, ou eram escassos, ou eram “fora de moda”. Atualmente, num mundo globalizado, assistimos a um crescente discurso de aceitação do corpo, da utilização de termos como “Gordofobia” e “Plus Size”, mas o caminho ainda é longo.

Até à data, eu ainda não aumentei muito mais do que vestir um 40 ou um L, e recordo-me de pensar, algumas vezes, de que só existiam números maiores em roupas feias. Após a maternidade passei a seguir também pessoas com uma estrutura maior nas redes sociais, porque eram essas pessoas que davam indicações de onde e como comprar roupas maiores. O que deveria ser global, é apenas um nicho. Homens e mulheres estão cansados de comparações! Procuramos a sensação de exclusividade inclusiva.

Para ajudar nesta reflexão sugiro a leitura de dois artigos, cujo link deixo mais abaixo, e de onde retiro duas citações que considero relevantes:

“Essas marcas querem, efetivamente, atender a esse público? Por que ainda existe uma resistência no mercado em fazer o aumento desses tamanhos? É uma tristeza que grande parcela da população não seja vista como consumidor.”

“Não existe dificuldade em fazer [roupas maiores], não é difícil fazer, não é porque não vende, é porque as marcas não querem. Óbvio que não estou generalizando, […] mas a sensação que me passa é que não querem mesmo fazer e acho que devem acreditar que traz uma desglamourização para essas marcas.”

Há uns anos conheci uma marca espanhola Valentina, que desde logo me cativou pela inovação. No seu marketing mostravam a mesma roupa vestida por um tamanho médio e um tamanho grande. A diversidade é uma aposta desta marca europeia, porque assim como a beleza está nos olhos de quem a vê, a roupa deve puder estar acessível aos olhos de quem a veste.

https://valentinabrand.pt/

Links de fontes para reflexão acerca do tema :

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
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