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Tios-Patinhas

Forreta:

Que ou quem é muito apegado ao dinheiro e não gosta de o gastar;

Que ou aquele que dá ou partilha com pouca generosidade;

Avarento, somítico ou sovina.

Esta crónica ainda mal começou e já estou a sentir os olhares franzidos dos Tios-Patinhas sobre as definições acima. Nas suas cabeças, mil justificações para o facto, ainda que mascaradas de poupança, equilíbrio ou sensatez. Ou, eventualmente, justificadas por penúrias históricas. E confesso, esse pensamento reactivo à provocação, diverte-me. Porque obviamente não estou a falar de pessoas que não têm rendimentos suficientes e precisam, portanto, de um controlo restrito sobre os gastos. Essas são situações compreensíveis e com razão de ser. Estes de que falo, não.

São por norma pessoas com alguma estabilidade financeira, com empregos medianamente pagos, com património, inclusive. Outros serão muito bem pagos, detentores de bens e fortunas, de que se gabam amiúde. O que me leva ao ponto fulcral, que é serem heróis sem causa, ou dito de outra forma, serem forretas sem necessidade. E isso é que me surge caricato, com laivos de preocupação.

Conheci alguns a exercer a penúria de forma voluntária e orgulhosa. Se houver algum psicólogo a ler-me, agradeço que me elucide sobre as motivações. É uma espécie de anorexia financeira? A satisfação do controlo exacerbado e desmesurável? É a sensação de vigilância plena conseguida? É o voyeurismo sobre os números bancários? Alguém me ajude.

É evidente que todos deveremos procurar a eficácia financeira na nossa vida. Contudo, o dinheiro e o trabalho que fazemos para o conseguir deverão servir para nos facilitar a vida, darem-nos conforto e permitir-nos algumas extravagâncias pontuais, ainda que pequenas ou planeadas.

Uma coisa é não se ter dinheiro, outra bem diferente, é viver como se não o tivesse. Viver em carência por opção. Exemplos não faltam.

Um senhor, ao falecer, deixou os filhos boquiabertos com os valores que tinha em aplicações financeiras. Viveu sempre uma vida modesta, quase dura, chegando mesmo a evitar ficar com a sogra no inverno, porque isso implicava gastos com a lenha. E não se coibia de o explanar.

Outro, nas compras do supermercado, optava sempre pelos produtos mais baratos, ainda que não gostasse do sabor ou performance, mesmo quando a diferença era de um cêntimo. Consta que só comia iogurtes de limão por essa razão, não porque lhe agradasse o alimento.

Outro ainda, tinha uma folha de Excel alimentada pelos panfletos dos supermercados que eram depositados nas caixas dos correios, ou mais recentemente, pelos sites, por forma a elaborar uma excursão para comprar os mais baratos em cada uma das superfícies: batatas no X, couves no Y, frutas no Z. Não sei se considerava o combustível do percurso. Ouvi dizer que uma vez aproveitou de tal forma a promoção do papel higiénico que teve de o distribuir pelas casas da mãe e sogra.

Há ainda quem não se dê ao prazer de tomar um café na esplanada. Ou num café de bairro. Ou, dê, mas acompanhado e sempre a usar o truque do esquecimento da carteira, ou a deixar-se ficar para trás para não pagar, nada nem nunca. Os outros que paguem.

E nunca, por nunca, almoçar fora. Se a fome aperta, vai-se para casa, onde se come pão sem manteiga e um copo de leite simples antes de ir dormir. Manteiga e queijo só em dias de festa. Peixe e carne, só se a sogra mandar para o jantar. A vida está cara. Ninguém junta milhões a comer todos os dias.

Espectáculos ou viagens, nunca.  A menos que sejam patrocinados por terceiros. Eventos gratuitos apenas ou que não impliquem deslocações de carro, comboio ou autocarro.

O assunto parece dado à risota e à chacota, mas é um assunto sério.

Preocupa-me a vivência destas pessoas, ainda que seja uma opção. A questão é que estas escolhas, a menos que se viva que nem eremita no fim do mundo, sozinho e sem contacto com a civilização, condicionam também aqueles que com eles coexistem.

Não faltariam casos de discussões conjugais sobre o tema. E se esta questão é posta, pelos forretas, claramente como um duelo entre sensatos (eles) e gastadores (os outros), na maioria das vezes é mais um duelo de adeptos da pobreza franciscana versus pessoas comuns.

Ou conflitos entre pais e filhos, com ideias diferenciadas sobre o valor do dinheiro (poupar sempre em oposição a poupar/investir/usufruir). Ou entre amigos, na difícil compatibilização de convivência com pessoas com ideias oponíveis e limítrofes do valor do dinheiro: jantamos? arrendamos uma casa? vamos visitar as grutas?

Volto a realçar que estes casos de que falo não são adstritos a pessoas com défices financeiros, mas com mais valias óbvias e que optam, na minha opinião, pela autopenalização.

Em última análise, passam-me pela ideia quantas pessoas não se terão conhecido, quantas pessoas não terão usufruído da presença e do convívio com o outro, quantas relações não terão vingado, porque alguém opta por se deixar dominar pelo dinheiro, ao invés de o dominar.

 Tristemente, as experiências, ou o que é pior, os outros, são avaliados sempre por números com duas casas decimais.

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Comments 1
  1. Ora entre um Franciscano convicto (o melhor eufemismo que consigo arranjar) e um consumista desenfreado, existe toda uma paleta de cores e gradientes, mais ou menos equilibradas segundo a perspectiva de quem os observa. Haverá certamente seguidores e detractores para todos os gostos. Se são felizes e não causam a infelicidade a outrém, por mim até podem decidir andar de tanga na rua para poupar no vestuário. Não é decididamente assunto que me inquiete ou perturbe. 🙂

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