Promising Young Woman

É um filme com com uma imagem eléctrica, história atípica, uma anti-heroína cativante e Carey Mulligan num ambiente muito diferente do habitual.

Promising Young Woman” é uma adaptação BD que se centra em Cassandra, uma mulher de trinta anos, desistente do curso de medicina que vive em casa dos pais, trabalha num café durante a semana e como “vingadora” durante a noite. Cassandra, fingindo estar embriagada, procura encontrar homens que confundem a inebriação de mulher com consentimento para uma relação sexual, para poder vingar-se e “castigá-los” pelo seu comportamento. Sem querer alongar-me e “spoilar” o enredo do filme, este é resumidamente um filme de vingança feminina sobre o predador imoral… o sexo masculino.

À medida que o filme avança, conhecemos melhor Cassandra e os contornos da sua vida. Percebemos de onde vem toda a sua sede de vingança e sentimos a profundidade dos seus acontecimentos traumáticos. É uma personagem parada no tempo que procura a qualquer custo satisfazer uma básica necessidade humana, satisfazer a “comichão” constante da dor impotente que gera a sua sede de vingança. Conhecemos também no filme, Ryan, representado por Bo Burnham, um colega do curso de medicina que vem abrir horizontes no mundo de Cassandra. Vemos a luta interior a crescer e intensificar-se ao longo dos momentos partilhados com Ryan, entre os sentimentos que desenvolve por ele e a ideia de que todos os homens são predadores sexuais.

É produzido e realizado pela mente negra de Emerald Fennell (conhecida como escritora e produtora da serie “Killing Eve” ou como actriz na série “The Crown” no papel de Camilla, entre outros projectos), que nos oferece um tema negro com diversos aspectos “anti-negros” que procuram tirar algum peso da premissa inicial. É uma abordagem sarcástica, com boa dose de humor negro à mistura que nos apresenta um mundo cruel e um pouco “bidimensional”, mas sempre com elementos fortes nos seus ambientes, como por exemplo, cores vivas e berrantes, deixando assim o “pesado” e o suspense da situação para a interpretação de Carey Mulligan. Todos estes elementos “deixam na boca” uma sensação ambígua, “awkward”, fazendo com que o espectador não saiba com que contar.

Carey Mulligan é incrível (como já é habitual), num filme sobre o qual não esperaria ficar tão impressionado com a representação e muito menos de ver Mulligan neste tipo de papel. Mostra-nos um lado não habitual, numa personagem ambígua e de comportamento bipolar. É realmente surpreendente a mudança dos seus tiques, das suas expressões, da sua voz e da sua linguagem corporal quando “muda a ficha” no espaço de um segundo, passando de mulher indefesa embriagada, para mulher sóbria que tem uma missão. É surpreendente a sua abordagem, a sua credibilidade e o seu poder de conquistar o espectador, numa personagem com tanto de questionável a nível moral, tornando-se natural que ao longo do filme consiga sempre atrair-nos para uma empatia, por tudo aquilo que ela passou e os seus dilemas com Ryan.

Há diversos aspectos positivos e negativos no filme. Como aspecto negativo é de salientar que num mundo tão pequeno, este seja apresentado contendo aspectos sociais hiper-concentrados. O facto de existirem tantos predadores sexuais por metro quadrado, ao ponto de Cassandra encontrar um em cada “fim de semana” ou encontrar tantos que consegue guardar um caderno cheio dos seus nomes, nomes das suas “vitimas”, o que provoca alguma desconexão entre o espectador e o filme. Tendo em conta o tema espera-se que o espectador perceba como é que Cassandra realmente “castiga” estes homens, o que não é visível inicialmente, sendo apenas sugerido (levemente sendo uma hipérbole neste caso).

Não sou um amante de violência gratuita e não estou a sugerir transformar este filme num filme de terror, mas inicialmente fica a dúvida do que aconteceu, se apenas assustou, se roubou, se enganou ou se matou mesmo a personagem que encontrou nessa noite. Este aspecto leva o espectador a questionar o que se passou realmente naquele momento, o que não sendo um aspecto vital para a compreensão do filme, não acho positivo colocar o espectador a “perder tempo” e a questionar-se sobre aspectos que não são relevantes para o filme. Aos poucos, ao longo do filme vamos ficando com uma ideias das suas tácticas, culminando no “terror” do final do filme.

Todo o filme conta com imensa identidade visual. As cores berrantes são “um amigo” que nos acompanha o tempo todo, que ajuda a criar o humor negro no filme. São usados ao longo do filme planos centrados, simétricos, geralmente com a personagem enquadrada ao fundo da imagem, contendo “imenso ar” na parte superior do plano. Estes planos são de imensa contenção de emoção, transmitindo uma sensação neurótica e ambígua de toda a situação e da sociopatia da mente da personagem de Mulligan. Contém planos muito bonitos e muito bem pensados que acrescentam personalidade ao filme, deixando o espectador encantado com o contraste dos planos que vemos e a mente vingativa de Cassandra. Deixo uma nota relativa à incrível banda sonora do filme, com novas interpretações de clássicos, meticulosamente pensados para cada cena do filme.

Promising Young Woman” é a história de uma anti-heroína, com tendências sociopatas, sede de vingança que procura vingar-se do sexo oposto por traumas passados. Cassandra é acima de tudo uma pessoa a ditar a sua justiça sobre quem ela acredita que passou impune, sentimento e vontade que infelizmente é cada vez mais expresso socialmente como uma necessidade. É uma atitude que leva sempre ao extremo e à generalização das suas avaliações, vendo o homem como um todo, um todo igual e generalizado.

Claro que no mundo de Cassandra, tal e qual nos é apresentado, faz sentido essa generalização, mas continuamos a falar de uma história de banda desenhada.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
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