Programados para a novidade: por que vivemos em busca do próximo gadget?

Há um instante específico em que a curiosidade se transforma em vício: quando o novo deixa de ser descoberta e passa a ser necessidade.

Talvez seja essa a marca do nosso tempo — a urgência por aquilo que ainda não existe.

O filósofo Byung-Chul Han, em Psicopolítica – O neoliberalismo e as novas técnicas de poder, afirma que a sociedade atual já não é movida por proibições, mas por excessos de estímulos. Somos persuadidos a desejar sempre mais — mais rápido, mais leve, mais recente. A promessa de um novo aparelho ou atualização é, na verdade, uma promessa de nós mesmos renovados. E é por isso que tantos de nós acordam ansiosos pelo lançamento de algo que, ontem mesmo, nem sabiam precisar.

A ciência explica parte desse impulso. Estudos em neurociência apontam que o córtex pré-frontal, responsável pela motivação e recompensa, responde de forma intensa à chamada novelty dopamine effect: quando nos deparamos com algo novo, há uma liberação de dopamina que nos dá prazer imediato. O cérebro, então, aprende a associar a novidade ao bem-estar — e começa a procurá-la incessantemente.

Mas o que acontece quando essa busca se torna o eixo da existência?

Quando a espera pela próxima atualização substitui a experiência do presente?

As tecnologias amplificaram um instinto humano antigo: o da exploração. Sempre quisemos conhecer o que estava além — o território seguinte, a ideia seguinte, a invenção seguinte. A diferença é que agora o “além” está em nossas mãos, comprimido em telas e algoritmos que conhecem nossos hábitos melhor do que nós mesmos.

As plataformas digitais foram construídas sobre esse desejo biológico pela novidade. Cada rolagem de feed, cada notificação, cada pequena mudança visual é projetada para manter o cérebro em alerta, oferecendo pequenas doses de surpresa e recompensa. A economia da atenção, termo cunhado por Herbert Simon, transformou a curiosidade em mercadoria: quanto mais buscamos novidades, mais previsíveis nos tornamos.

É um paradoxo curioso — somos programados para procurar o novo, mas essa própria programação é o que nos torna controláveis.

O gesto aparentemente livre de “escolher” um aplicativo ou um dispositivo é, em grande medida, uma reação a um design que foi pensado para capturar exatamente essa liberdade.

E, no entanto, há um lado bonito e inevitável nesse impulso. A sede de novidade é também sede de sentido: a vontade de descobrir, reinventar, evoluir. O perigo não está em desejar o novo, mas em confundir novidade com valor.

Nem tudo o que é novo é melhor — e nem tudo o que é antigo é obsoleto.

O filósofo Walter Benjamin dizia que a modernidade é feita de instantes que brilham e desaparecem. Talvez o desafio contemporâneo seja aprender a sustentar o olhar mesmo quando o brilho se apaga — permanecer naquilo que já conhecemos, e encontrar ali uma nova forma de descoberta.

Porque, no fundo, a verdadeira inovação pode estar menos em adquirir algo novo e mais em reencontrar o que sempre esteve à nossa frente — uma ideia esquecida, um gesto simples, uma pausa sem tela.

Talvez o futuro não precise ser incessantemente novo para continuar sendo futuro.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Português do Brasil.

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