Redes sociais, palco de um mundo não dito. Verdadeiro ou falso?
As redes sociais são inevitáveis. Apesar das lapaliçadas que vão sendo debitadas, por vezes, encontramos pensamentos que nos fazem refletir.
Recentemente, deparei-me, no Facebook, com uma frase ao estilo de Afonso Cruz: “Para onde vão as palavras que não dizemos?”
Tenho-me demorado na modorra deste pensamento.
No tumulto da vida, as palavras, reflexos de pensamentos não vocalizados, permanecem muitas vezes trancadas no cofre silencioso a que chamamos alma. Silenciadas, não desaparecidas. Escondem-se nas sombras, enraízam-se e moldam-nos. As palavras felizes voam por aí, desenfreadas, leves e fáceis. Já as não ditas são medos, desejos inconfessáveis ou verdades que tememos enfrentar. Por consideração e prudência. De qualquer forma, criamos realidades construídas sobre suposições e omissões. Com o tempo, as palavras guardadas acumulam-se, crescem dentro de nós. Quando já não cabem no silêncio, explodem em acessos de raiva ou desespero. Noutras alturas, manifestam-se como tristeza ou ressentimento. Tornam-se palpáveis, uma massa que cresce em nós, nos sufoca e perigosamente se liberta um dia, raramente de forma controlada.
Antigamente, dizia-se menos. As pessoas guardavam para si as palavras demasiado sentimentais. Os homens, porque tinham vergonha; as mulheres porque lhes era imposto o silêncio, a supressão de voz e pensamento. Mas o ser humano sempre encontrou formas de contornar essas limitações. Escreviam-se diários e cartas, suspirava-se ao vento. Dizia-se com os olhos e pequenos gestos.
Hoje, diz-se mais. Os homens perderam a vergonha da sentimentalidade, as mulheres conquistaram o poder de pensar alto. As redes sociais impulsionaram esta libertação, mas também na vida real as palavras sobre os sentimentos fluem mais. Melhor? Talvez.
Contudo, será que esta liberdade de deixar as palavras voarem por aí veio sem sobressaltos?
À medida que o ser humano se tornou mais reflexivo, também sentiu necessidade de dizer muito e de ser ouvido de forma mais profunda e autêntica. Porém, expressar verbalmente sentimentos continua a ser difícil. À medida que os desafios emocionais se tornam cada vez mais complexos, surgem novas formas de lidar com eles.
Acredito que apareceram três novas respostas: o consultório do psicanalista, as redes sociais, o nosso outro eu. O primeiro é caro e o último difícil de encontrar. Assim, é nas redes sociais que jovens e adultos despejam as suas mágoas, numa tentativa de se fazerem ouvir, de encontrarem empatia nesta imensidão de estranhos.
É um caminho diferente, virtual, palco traiçoeiro para as palavras não ditas, com público tantas vezes silencioso. Enquanto expomos as fragilidades ao mundo, tornamo-nos mestres em esconder o verdadeiro significado das nossas palavras. O oculto é muito mais do que o mostrado. O digital é o célebre pau de duas pontas afiadas.
Para onde vão as palavras que não dizemos? Sem dúvida, viajam no tempo. Em papel ou perdidas nos vastos corredores do ciberespaço, aguardam olhos curiosos que as descubram e compreendam. A elas e à sua ausência. É que o silêncio das entrelinhas continua a ter uma linguagem própria.
Sou uma defensora do dizer e do ouvir. Pior do que calar é não saber o que poderia acontecer, se fosse dito. Irreparável. A verdadeira riqueza humana está naquilo que partilhamos uns com os outros, nas palavras que ousamos dizer e nas histórias que escolhemos contar.
Fica a eterna pergunta: “E se eu dissesse?”
Este artigo foi escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico.
Adorei a reflexão. Acrescento a isto a moda da positividade que deve ser sempre expressa e não pronunciar sequer o menos bom. Afinal este também faz parte da vida.
Brilhante.
Ha palavras que ficam no nosso pensamento. É muitas vezes, as que vão para as redes sociais não deveriam ir!