Em Setembro de 2000, estreia na TVI um dos programas mais revolucionários da história da televisão portuguesa. Lembro-me perfeitamente dessa época. No dia anterior à estreia, estava a assistir a uma partida amigável de futebol entre França e Inglaterra, quando o voz-off da TVI, José Carlos Soares anuncia: “Não percam amanhã a estreia do Big Brother, o programa que vai revolucionar a televisão portuguesa”. Julgo que foi mais ou menos assim que ele disse. De qualquer das maneiras, as suas palavras foram proféticas. A SIC liderava as audiências, mas perdeu-as, quando o fenómeno Big Brother despoletou. Na verdade, o formato da produtora holandesa Endemol foi proposto à SIC sendo rejeitado pelo diretor de programação da SIC, Emídio Rangel. Foi um golpe fatal para a SIC e uma oportunidade de ouro para a TVI.
Recuemos ao mês de Setembro do ano 2000. 12 concorrentes preparam-se para entrar na Venda do Pinheiro, numa moradia luxuosa. São eles: Riquita, Ricky, Ricardo M, Maria João, Marco, Sónia, Marta, Mário, Telmo, Célia, Susana e o grande vencedor Zé Maria que arrecadou na altura 20 mil contos na altura, o que nos dias de hoje corresponde a 100 mil euros. O programa tinha a duração de 120 dias e os concorrentes estavam fechados na moradia da Venda do Pinheiro sem saberem notícias do exterior.
O programa foi apresentado por Teresa Guilherme e produzido pela produtora holandesa Endemol. Pedro Miguel Ramos era quem entrevistava os concorrentes expulsos e os fãs que se encontravam cá fora a apoiar os seus concorrentes favoritos.
Foi um fenómeno de audiências. Pela primeira vez a TVI assume-se como líder das audiências na história da televisão portuguesa. Foi o primeiro reality show na História da televisão portuguesa o que gerou uma onda de curiosidade nunca antes vista na História da televisão portuguesa. Depois desse primeiro Big Brother, foram produzidos mais 3 Big Brothers com anónimos e 3 Big Brothers VIPS com famosos. Depois disso, a TVI especializa-se na produção de outros reality shows de grande sucesso como a Quinta das celebridades, A primeira companhia, O circo das celebridades e Secret Story- A casa dos segredos, que também teve grande sucesso entre 2010 e 2015 por ter um formato parecido ao do Big Brother.
No entanto, como surgiu o Big Brother e a expressão o Grande Irmão? Vejamos a origem da expressão Big Brother. Em 1948, o escritor George Orwell escreveu um livro intitulado 1984. Na obra, o “irmão mais velho” (ou “grande irmão”, como ficou conhecido nas traduções em português) é um ditador que tudo vê, mantendo as pessoas sob permanente condição de vigilância e manipulando sua forma de pensar.
O programa Big Brother surgiu em 1999 na Holanda, de onde foi licenciado para diversos países do mundo. Em Portugal estreou no ano 2000. E claro os concorrentes não tinham direito a ver televisão, a contactar os seus familiares e estavam submetidos às regras da produção. Cada concorrente tinha de nomear os dois concorrentes com quem menos simpatizava. Os mais nomeados eram candidatos à expulsão na semana seguinte (às terças-feiras) e o concorrente mais votado por telefone para sair pelos portugueses era expulso. Era uma competição a eliminar basicamente. Mas mais do que esse lado competitivo do programa o que mais gerou controvérsia e entusiasmo ao público português foi a forma como os concorrentes se relacionavam entre si e as polémicas que daí surgiram. Ficou eternamente para a História dos reality shows em Portugal o pontapé de Marco a Sónia, depois desta o ter insultado. Marco foi expulso e substituído pelos concorrentes Paulo e Carla. A novela da vida real fervilhava e alimentava o espírito português de entusiasmo e adrenalina. Era o pão e circo do povo português patrocinado pelo insólito e hilariante jornal nacional da TVI apresentado por Manuela Moura Guedes.
Os concorrentes do Big Brother eram muito heterogéneos e foram também os obreiros deste estrondoso fenómeno. Os mais contrastantes eram sem dúvida Marco e Zé Maria. Marco, fuzileiro, era uma pessoa de grande carisma. Detinha uma agilidade invulgar, não era raro vê-lo a treinar artes marciais e a pontapear sacos de boxe com enorme agressividade e lestreza. Era muito brincalhão, assertivo e extrovertido. Era o líder nato da casa, era o protagonista em quase todas as atividades realizadas na casa, mas era o que metia mais medo aos restantes concorrentes. Não era fácil acompanha-lo e destacar-se como ele o fazia. Zé Maria era o oposto. Discreto e tímido, refugiava-se nas atividades domésticas como a cozinha, trabalhos manuais e alimentar as galinhas. Era muito útil nas tarefas domésticas. Era extremamente dócil e educado, sem um pingo de agressividade. Era o alvo preferido dos seus colegas de concurso para as brincadeiras. Isso gerou focos de conflito com Marco, o concorrente mais intempestivo da casa que não entendia o comportamento de Zé Maria. Marco irritava-se com facilidade enquanto Zé Maria era sereno demais. Ficou para a história a célebre frase de Marco no confessionário do programa: “Eles falam falam falam mas eu não os vejo a fazer nada.” Uma frase replicada por Ricardo Araújo Pereira num sketche publicitário em 2004. Zé Maria dizia frequentemente: “Eu estou completamente a leste”. Para Marco, nada parecia estar bem, para Zé Maria tudo parecia um mar de rosas.
Os outros concorrentes também tinham o seu carisma. Telmo, um para-quedista, encarava a experiência como se aquilo fosse a tropa. Era recorrente ouvi-lo dizer “isto é como na Tropa”. Sónia não tinha papas na língua e tinha um fetiche por Mel Gibson. Marta era uma comunicadora nata e sempre bem-disposta. Mário, era um concorrente calmo, que gostava de exibir o seu corpo musculado utilizando frequentemente a expressão: “Tás a ver?” Célia, era uma concorrente jovem, emotiva e sentimental, pouco calculista e espontânea. Susana, por sua vez, era mais estratégica e calculista. Não se enervava com facilidade e participava com facilidade nas brincadeiras de grupo. Dos outros concorrentes pouco havia a dizer pois não estiveram muito na casa da Venda do Pinheiro. Posso referir a primeira concorrente expulsa, a Riquita de Guimarães, berço da nação, a minha cidade, e que por ironia do destino foi também o berço da primeira expulsão na história do Big Brother e de todos os reality shows feitos em Portugal. Riquita era professora e casada e os portugueses acharam que a continuidade dela não iria ser benéfica para o programa, por não poder envolver-se num relacionamento amoroso com outros concorrentes e não se enquadrar com a irreverência dos mais jovens. Tinha um grande poder de comunicação e de argumentação. Foi o que me transpareceu quando ela foi entrevistada por Teresa Guilherme na gala subsequente à sua expulsão.
Várias cenas marcaram o programa. Os enlaces românticos de Marco e Marta, ao som da lendária balada romântica de Bryan Adams “Everything I do“, e de Telmo e Célia, a polémica entre Marco e Zé Maria, onde Marco o atacou por não compreender como Zé Maria era tão diferente dele, a agressão de Marco a Sónia e a sua consequente expulsão.
Julgo que o programa caiu no goto dos portugueses por ser rico em polémicas e ser uma novidade. Tudo aquilo que é desconhecido gera fascínio. E o povo português adora tudo isso. A juntar a tudo isso, foi a forma sensacionalista como a TVI fazia propaganda do programa no seu telejornal, sendo as peripécias do Big Brother comentadas no telejornal apresentado de forma caricata e hilariante por Manuela Moura Guedes. Quem não se lembra da sua famosa abertura? “Olá eu sou a Manuela Moura Guedes e este é o Jornal Nacional”. Todo este circo mediatico montado à volta do Big Brother gerou uma gigantesca onda de entretenimento a que o povo português não conseguiu resistir. Da risota ao suspense, da intriga ao conflito, do mistério ao imprevisível, todos os ingredientes estavam reunidos para hipnotizar o público português.
Teresa Guilherme também foi a apresentadora ideal para o programa. Era uma mulher com muita vivacidade e energia. Fazia as perguntas mais marotas e embaraçosas aos concorrentes e nunca deixava escapar as polémicas da semana quando falava com os concorrentes no confessionário nas famosas noites de Terça-Feira. Isso agradava muito ao público português. Era muito casamenteira. Puxava ao máximo os concorrentes para que acontecessem relacionamentos amorosos entre os concorrentes. Foi no Big Brother 2 que aconteceu o primeiro casamento entre dois concorrentes em directo na história dos reality shows. Foi entre os concorrentes Sérgio e Verónica. Curiosamente, Sérgio foi o único concorrente com quem tive a oportunidade de trocar umas palavras pessoalmente, ao vivo e a cores. Foi num torneio de bilhar em Guimarães onde eu fazia parte da organização. Ele perguntou-me de manhã a que horas é que começava o torneio e eu respondi que só da parte da tarde. Ele ficou um pouco desiludido porque estava ansioso por competir.
20 anos depois o Big Brother está de regresso. Cláudio Ramos será o apresentador. Desconfio que será um enorme sucesso porque irá matar as saudades do povo português. Os portugueses estarão frescos, curiosos e ávidos para assistirem ao programa. O programa terá os factores novidade, surpresa e mistério a favor e não vai ter o factor saturação a jogar contra pois há muito tempo que o programa não é produzido em Portugal. O que me inquieta é o povo português ligar muito a polémicas e conflitos (como acontece no futebol) e não valorizar a Cultura e a consciência cívica. Por outro lado, os concorrentes em busca de fama ilusória, correm seriamente o risco de exporem a sua vida privada e serem humilhados em desafios propostos pela produção ou com discussões com concorrentes mais conflituosos a troco de migalhas. É um risco que todos os concorrentes podem potencialmente correr. Mas também pode dar-se o caso dos concorrentes lidarem bem com os desafios e conflitos e que tenham sucesso no programa, tendo as portas abertas para um futuro mais promissor. É uma incógnita. Tudo dependerá da personalidade dos concorrentes e do sucesso que tiverem no programa.
O lado positivo será ver também como os concorrentes irão interagir e reagir à adversidade superando barreiras e obstáculos com força de carácter, que é uma característica que prezo muito no ser humano. E se contribuir para que se fale menos de futebol e do Coronavírus não seria mau de todo, mas, como diz um amigo, é ver o menos possível para não se viciar. Desconfio que o público português e as revistas cor-de-rosa farão de tudo para que aconteça aquilo que já estou a desconfiar: Um grande sucesso do Big Brother, 20 anos depois.