Não sei a morada do amanhã

Nós temos todos os motivos para não gostar da vida que vivemos, mas mesmo assim que se pensarmos bem temos também todos os motivos para não desistir e agradecer tudo o que a vida representa.

Somos mais do que folhas que caem de árvores quando chegam as consequências. Vivemos das nossas reacções face às acções do mundo, e isso nem é mau. O pior é não reconhecermos que não importa o quanto possamos correr que tudo nos apanha a qualquer momento.

Adormecemos dores que irão despertar quando os espinhos forem maiores que o perfume da rosa.

Há carroças que só se puxam se pararmos de insistir que uma roda tem de ser quadrada.

Não importa o que nós queremos se não respeitamos o nosso tempo, e será uma questão de tempo até percebermos que há lugares que mais vale chegar tarde do que cedo demais. Mas também nos iremos dar conta das inúmeras oportunidades que a vida nos dá, e se naquele momento vivermos como se o mundo representasse armadilhas constantes será difícil voltar atrás.

Somos mais, somos melhores, mas também seremos piores do que aquilo que pensamos de nós. O difícil é calibrar, é acertar na direcção de quem somos e não de quem gostaríamos de ser.

Há dias em que o mundo grita na nossa cara a verdade e há dias em que o mundo nos leva pela mão. Quem é que não se surpreendeu consigo mesmo numa situação de perigo? Quem é que foi o oposto do que disse que seria? E com toda a certeza de que se convenceram a vida toda de que eram aquelas pessoas e que fariam ou diriam determinada coisa ou teriam determinada reacção caso isso vos acontecesse. Só que não. No momento em que as coisas acontecem, onde não há script, não há guião ou um realizador a dirigir-nos, ficamos a sós com o nosso verdadeiro eu. E confiem nesse eu, caso ele seja melhor ou pior do que vocês imaginaram. Mas confiem nele, ao menos é verdadeiro.

Fazemos ideias e temos pensamentos constantes de quem somos e de quem queremos ou devemos ser, talvez seja a forma que os ansiosos encontram de se controlar. Mas é quando as situações realmente acontecem que saberemos toda a verdade que não foi camuflada, simplesmente não era conhecida.

É caso para pensar que nada do que somos será amanhã. E todas as ideias que temos de nós podem ser contruídas e reconstruídas as vezes que forem precisas e necessárias. A única coisa permanente na vida é a própria vida. E claro, que nada é permanente. Quem tem muita certeza talvez conheça pouco mundo, o mundo que se vê do lado de fora e do lado de dentro.

A ilusão de que a estabilidade nos faz dar passos pequenos e seguros, quando na verdade descobrimos que a estabilidade é uma ilusão que criámos. Seja porque ouvimos os outros dizer que aquilo era estabilidade, ou porque lemos algures à medida que nos íamos desenvolvendo.

Ignoramos que os próximos melhores e piores momentos estão ali. No meio do desconhecido, no meio daquilo que vamos viver quando sairmos de casa para mais um dia normal. A nossa próxima grande gargalhada estará ali, alguns entre uma segunda ou quinta-feira, totalmente imprevista, totalmente inesperada.

E é disso que temos medo, não da próxima grande gargalhada que vamos dar. Mas é de não sabermos o que vem antes ou depois, o que é que vamos descobrir sobre nós, ou das pessoas que amamos, como se um dia saíssemos de casa e todas as árvores pudessem ficar viradas do avesso, como se os prédios amanhã pudessem mudar de sítio ou simplesmente o último andar do prédio se tornasse o contrário, como se a partir de amanhã o menor número pudesse ser o dez, e o maior, o número um. Como se o decrescente para crescente trocasse como se fosse uma dança de cadeiras.

Mas não, mesmo não havendo certezas absolutas de rigorosamente nada, há que agarrar o que é permanente hoje, e agora para sermos felizes.

E sobre o amanhã, mesmo sabendo que não há certezas absolutas de rigorosamente nada, há que agarrar o que vier ou acontecer para que a vida rume no sentido de quem pensamos quem somos, ou que sirva o propósito de nos descobrirmos.

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