
Uma vez mais e como nos tem sido habitual, Allen, realizador de Annie Hall (1977), Manhattan (1979) e Blue Jasmine (2013), premeia-nos com mais um delicioso filme na reentré cinematográfica.
Exemplar na linha de Crimes e Escapadelas (1989) e Match Point (2005) – pelo conceito teórico-prático da morte, ou se preferirmos assassínio -, Homem Irracional é, em primeira mão, um filme irónico no seu título e que mordazmente nos coloca num debate filosófico, uma vez que o seu próprio protagonista é um professor universitário de filosofia. Abe Lucas é um solitário nostálgico e, paralelamente, um psicótico indivíduo (a nos lembrar o sempre insatisfeito protagonista nos filmes em que Allen era também actor), que se perde nos fracassos da sua vida e (no álcool) e ganha ânimo, quando pretende ajudar alguém.
O rigor causa/efeito mantém um argumento envolvente à sua audiência, mas não será suficiente para a grande massa consumidora de cinema. Allen é claramente um realizador para a elite, mais próxima da sua idade (80 anos serão comemorados no próximo dia 1 de Dezembro) e o seu processo criativo é tão-somente peculiar. Talvez só esse grupo de pessoas seja capaz de lidar com o pensar que o filme evoca, algo que as gerações mais jovens recusam. O filme rotula-se por completo a esse sentido.
Além disso, contam-se as referências aos filósofos agora citados: Kant, Kierkegaard, Heidegger, ou Hannah Arendt num permanente conflito entre moralidade e imoralidade, entre o bem e o mal. “Será acertado ouvir a conversa de outrem? Será correto agir pelas nossas próprias mãos?” Estas são algumas das questões que o filme levanta.
À medida que a discussão se intensifica, o mesmo acontece à paixão (inicialmente platónica) entre Abe e Jill. O primeiro chega a ter um relacionamento com Rita Richards (outra docente), mas é na aluna que se reencontra.
Já Jill tem um namorado (Jamie Blackley) atencioso, sério e solidário, preocupado com o futuro da relação. Contudo, Jill insiste no relacionamento com o professor. Abe é como Jill nos descreve a certo momento: “auto-destrutivo, mas brilhante”.
De ressaltar o momento em que um objecto prático protege a jovem e perspicaz aluna de um momento hitchcockiano e intrigante. Emma Stone na linha de Birdman e Magia ao Luar, ambos de 2014, remove alguma inocência juvenil para ser agora uma mulher autêntica, vejamos aqueles olhos bem fotografados. É, evidentemente, uma das mais esbeltas actrizes do milénio e que acarreta uma beleza escultural. E ainda uma nota, porque o filme desenrola-se num pequeno campus universitário em New England, nos Estados Unidos da América, porém, ao contrário dos outros filmes cuja cidade é um centro na narrativa, aqui consegue ser apaziguada por uma história onde só importa pensar. Allen está na forma certa, mas sempre esteve, quando não…
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