Meu chão

A vida tem destas coisas. Quando me desafia ou desafia aqueles que amo, tenho de encontrar justificações, nomes parvos ou teorias nada dignas de Einstein ou Newton.

Desta forma, pensei num fenómeno interessante (e igualmente parvo), que não deixa de ter a sua lógica (pelo menos para mim), ao qual eu gosto de chamar de “efeito mola”. Faz-me acreditar que, assim, consigo dar alguma ligeireza às coisas.

O denominado “efeito-mola” consiste em factores externos tão intensos e extenuantes que ao nos pressionarem continuamente e de tal forma, não nos deixam outra alternativa senão saltarmos e, após acontecer, dois factores peculiares poderão ocorrer: a) saltamos com todas as nossas forças, bem alto ou b) saltamos e caímos redondamente no chão (sucede-me com bastante frequência).

Sei que a terminologia e a visão da coisa é um pouco estranha, mas não deixo de pensar nos efeitos inerentes que os acontecimentos inesperados poderão ter em nós, sejam eles considerados positivos ou negativos. Por isso, defendo sempre que em qualquer circunstância da vida, independente do coração bater forte no peito e dos olhos estarem voltados para o horizonte, os nossos pés têm de estar firmemente enraizados no chão.

Assim, quando acontece o estranho fenómeno, é muito mais fácil saltar que cair e mais depressa voltamos ao nosso estado natural e com mais forças para reagir.

Todos os acontecimentos que se dão nas nossas vidas têm a sua natureza intensa e imprevista. A beleza das coisas também reside aí, na força externa que nos abana e nos obriga a mover. De forma alguma são comparáveis: o que te acontece não é melhor nem pior do que o que me agita nem as montanhas que escalámos e vencemos ou perdemos nos rotulam ou nos tornam mais frágeis aos olhos dos outros. Apenas são montanhas, fazem parte de um caminho.

Mas, se por momentos, te sentires mais frágil (ou caíres), também não tem importância. Às vezes a fragilidade tem de dar de si, emergir de dentro e de tal maneira, que não haja outra hipótese senão se exprimir, na maior parte das vezes em palavras, choros e concluir-se na procura de soluções.

O único segredo a não descurar é o de que tudo o que faz de nós quem somos é de se manter. Todos os valores que acreditamos, os ídolos que mantemos, a forma como mostramos o nosso interior ao mundo e os truques que utilizamos para recarregar energias (um passeio à beira-mar, um beijo a quem amamos, um bom livro e um copo de vinho).

Assim, criamos e mantemos o nosso chão. Aquele onde enraizamos os nossos pés. Único, brilhante, sólido, indescritível. Que fará de ti quem és e que é só teu. Onde poderás te equilibrar firme para saltar e não cair.

Só desta forma, mesmo que frágil, quando se sucede o inexplicável, poderás saltar: a) de braços bem abertos, cabeça erguida, olhos desafiadores e sorriso nos lábios; b) Na mais positiva das direcções.

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