Fez dia 14 de Julho de 2023 duzentos e trinta e quatro anos que um grupo de populares revoltados com as políticas económicas e repressivas da sua obsoleta monarquia, tomaram a Bastilha, uma antiga praça-forte nas imediações da Île de la Cité, em Paris, que servia de prisão para as vozes politicamente dissidentes e os presos políticos.
Este momento, pouco marcante estratégica ou politicamente no âmbito da confusão social que agitava a França dos finais do século XVIII, até porque a Bastilha só já albergava meia dúzia de presos, foi fundamental na mobilização psicológica do terceiro poder do Estado francês, cansado da fome, da guerra, da opressão dos primeiro e segundo poderes (a Nobreza e o Clero), que do topo dos seus palácios, igrejas, envoltos em riquezas, enfastiados com a abundância, detinham o poder efectivo de vida ou morte dos outros.
Estupefactos e galvanizados pelo seu feito, a população tumultuou-se e entrou numa espiral de violência contra os seus opressores que se viu difícil de conter. Nos dias, semanas, meses e anos seguintes, a sociedade francesa viu-se em permanente alteração, altercação entre poderes e violência desmedida, literalmente sacrificando cabeças de vítimas numa tentativa de apaziguar as massas revoltosas.
A Revolução Francesa, em 1789 é, de certa forma, o culminar do Iluminismo, encerrando o denominado século das luzes com uma espiral de violência que antagonicamente inaugurou um processo de democratização dos constituintes das sociedades. Importa salientar que esta noção não é transversal a todos os historiadores e estudiosos do tema, dado que a Independência e a Constituição dos Estados Unidos da América precede esta data (1777) em onze anos, já consagrando noções como cidadão, indivíduo com direitos e deveres; Separação de Poderes legislativos, executivos e judiciais; a noção de Estado; e a realização de eleições enquanto forma dos cidadãos participarem de forma representativa na organização do Estado.
Por trás da Revolução, o conceito filosófico do ser humano enquanto ser pensante, único e integral, maturado do Homem Renascentista aboliu conclusivamente o conceito de deus enquanto centro do universo. E pela primeira vez o Homem Vitruviano adquiriu identidade própria, não apenas enquanto “ente artístico”, mas enquanto ente completo.
E a Revolução, não obstante banhada em sangue de heróis e vilões, trouxe o destino do Homem para a linha da frente da batalha através da criação e instituição da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a fundação para a actual Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Contudo, a divisa da Revolução marca distintamente este período, pretendendo instituir o ser humano enquanto ser livre, igual e social, pleno de direitos e deveres, estes em igual peso e medida, sobrevivendo-lhe para representar os mais altos valores humanos transversalmente ao longo dos tempos até aos dias de hoje.
Pós-Revolução
Não obstante as transformações das sociedades nos 234 anos que nos separam da Revolução Francesa terem vindo ilustrar e personificar esta necessidade e conceito filosófico nos seus fundamentos, a capacidade intrínseca do ser humano de os representar tem vindo a decrescer, a perder o seu ímpeto, muito devido às conquistas sociais já concretizadas na maioria das sociedades ocidentais, bem como à aparente massificação do conhecimento, e ao fenómeno global que dilui os processos educacionais e de crescimento individual numa amálgama disforme e desprovida de fundamento.
Torna-se assim cada vez mais necessário o retorno aos valores humanos mais altos, personificarmos a divisa “Liberté, Egalité, Fraternité”, darmos passos atrás para que possamos avançar em direcção a um futuro que nos identifique com os objectivos primários da Revolução Francesa – a exaltação do espírito humano, a sua capacidade de criar e de se maravilhar com a sua própria magnificência.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
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