Convergência na neurodivergência

Lidar com a diferença, fugir da “normalidade”, tem sido um dos maiores desafios da sociedade.

Com o recente aumento de diagnósticos de autismo, cujo espetro é muito vasto, levantam-se várias questões sobre as quais há que fazer uma reflexão mais profunda.

Primeiro: há que elucidar e desmistificar a ideia de que não se trata de uma doença, mas de uma condição que diferencia o indivíduo dos chamados “neurotípicos”.

Trata-se de um transtorno neurológico, cujas causas ainda não foram concluídas cientificamente, podendo ser de origem hereditária ou ambiental, entre outras. Pode afetar a comunicação e interação social. Contudo, o espetro é tão grande que se torna difícil definir as caraterísticas ou comorbilidades. As capacidades, assim como as dificuldades, podem ser inúmeras, conforme os casos.

Sabemos que grandes génios da humanidade, como Albert Einstein, Andy Warhol, Tim Burton, entre outros, pessoas consideradas esquisitas ou até loucas, foram afetados por esta condição. A maioria destas pessoas tiveram um diagnóstico tardio, pois não havia meios para que o PEA (perturbação do espetro autista) fosse detetado a tempo. Eram, apenas, diferentes.

A maneira como os neurodivergentes são acolhidos, depende da sociedade onde estão inseridos. Por isso, se faz tanto o apelo à inclusão e à empatia, condições necessárias, e em particular, no seio familiar que necessita muito de apoio psicológico e emocional. O apoio incondicional aos pais com filhos nesta condição é muito importante. As questões são tantas e tão poucas as respostas. A travessia perante o aparente caos, terá laivos de beleza, mas também será exaustiva.

Perceber que o filho não vive “fora do mundo”, mas num mundo próprio, não é fácil. As expetativas que os pais criam para os filhos quando eles nascem nunca incluiriam estas questões. Muitas vezes se sentirão fracassados, feridos e incapazes de amar incondicionalmente. Dias em que as palavras dos outros ferirão mais do que o silêncio.

Mas o autismo não é uma tragédia. É sim uma nova forma de olhar as coisas, sentir aquilo que os outros não sentem, ver detalhes que muitos ignoram. Pode, pois, ser uma grande aprendizagem para estes pais, é como aprender a ler sem livro. Os autistas apenas precisam ser compreendidos, não corrigidos.

Por isso, o amor dos pais por essas crianças é algo muito precioso, embora solitário. Eles são a sua âncora.

Quando se fala em autismo, tem de se falar em diversidade e aceitação. Cabe, pois, à sociedade evoluir nesse sentido. Existem milhões de pessoas nesta situação. Não podem ser ignoradas, de maneira nenhuma.

Acresce ainda o facto de que nem todos possuem disponibilidade económico-social para ter acesso ao diagnóstico e respetivas terapias. Muitos desconhecem na totalidade esta condição. As escolas, na maioria, não estão preparadas para lidar com a diversidade e os desafios que impõe.

O mercado de trabalho também não é muito acessível para todos, embora muitos autistas sejam verdadeiros génios em determinadas áreas. Contudo, pessoas nesta condição são muitas vezes discriminadas e/ou são subestimadas, quando, na verdade, apresentam caraterísticas únicas e valiosas, como foco, atenção aos detalhes e pensamento lógico, entre outras.

É, pois, necessário promover uma mudança social. A inclusão, tanto apregoada, mas tão pouco praticada, não acontecerá apenas sob as leis, mas através da consciência coletiva. Reconhecer que a diferença não é defeito e que o respeito vai além da tolerância. Transformá-la em convivência justa e empática.

Uma sociedade evoluída e completa é aquela que aceita e integra as diferenças individuais a todos os níveis e que, não só acolhe, como aprende com elas.

Quando se entender que a neurodiversidade, como parte da condição humana, enriquece a sociedade, poderemos falar de inclusão.

Porventura, haverá um plano superior na evolução do nosso planeta. Acredito que estes seres não estão cá por acaso, neste período conturbado. Eles vêm para marcar a diferença e ajudar na mudança de paradigma tão necessário na atualidade.

Nota: Este artigo foi escrito segundo as normas do Novo Acordo Ortográfico.

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