As Lendas

Certas dores são tão perfurantes que teimam em doer e fazer sangrar. Os que nos morrem têm o condão de largar o rasto de estrelas para serem recordados com doçura e uma imensa saudade. Os heróis podem ser de carne e osso e os que ofereceram a sua vida para gáudio de outros, reinam no firmamento de uma eternidade difusa.

As lendas

Eusébio nasceu em Lourenço Marques a 25 de Janeiro de 1942 e faleceu em Lisboa a 5 de Janeiro de 2014. O seu nome é suficientemente conhecido para não ser ignorado, mesmo por aqueles que não se interessam por futebol. Foi uma figura carismática que representou Portugal pelos vários cantos do mundo.

Nasce no bairro de Mafalala, filho de um ferroviário branco, de origem angolana e de mãe negra moçambicana. Foi criado num meio extremamente pobre onde a necessidade de sobrevivência tinha a primazia. Costumava faltar à escola para jogar à bola, descalço, com os amigos, em campos improvisados. O pai morre, com tétano, quando ele tem somente oito anos, ficando a mãe com a sua educação a cargo.

Aos 15 anos já jogava na equipa Os Brasileiros Futebol Clube. Tentou a sua sorte nos clubes locais do Benfica e no Sporting tendo sido aceite pelo último. Aos 18 anos, a sua vida ficou marcada por uma grande polémica, devido à contenda gerada pela luta entre os maiores clubes de Lisboa que o disputavam. À chegada a Lisboa é levado para um hotel e o Benfica fica com o seu passe.

Começa então a lenda que ficará conhecida por Pantera Negra ou King. Na primeira época é conquistado o troféu europeu e na segunda a Taça dos Campeões Europeus, acabando de vez com a hegemonia do Real Madrid. Estávamos no ano de 1961 e os frutos das decisões do seu pai estavam à vista de todos.

A sua fama internacional chega com o jogo da segunda final europeia do Benfica, em 1962, contra o Real Madrid. Marcou dois golos e fez uma exibição de perícia que deixou todos admirados. Não foi só a sua velocidade estonteante, mas também o remate prodigioso que marcaram aquele evento. Os dados estavam lançados.

Surgem os convites para jogar no estrangeiro. A Juventus oferece-lhe uma fortuna, 16000 contos, em 1964, quando ganhava 300 contos no Benfica. Esta situação levou à intervenção do governo que o envia para a tropa, para empatar estas decisões. Não podiam perder este diamante. O seu salário é aumentado para 4000 contos.

No mundial de 1966, em Inglaterra, conquista o epíteto de estrela internacional, com o nome que o eternizará, o Pantera Negra. O seu nome corre mundo. Marca nove golos, tornando-se o melhor marcador do mundial levando Portugal a conquistar o terceiro lugar.

Estamos a falar de uma época bem diferente da actual em que as contratações tinham outras regras e as transferências eram efectuadas de outro modo. O Benfica obteve 13 dos 17 campeonatos portugueses durante a década de 60 e nove vezes na principal competição do continente.

A carreira de Eusébio foi gloriosa apesar de ter estado repleta de lesões, ter sido operado ao joelho esquerdo seis vezes e uma ao direito. Nunca deixou de jogar, mesmo sentido dores e nos pós-operatórios, uma lição que os mais novos devem retirar. Não havia lugar a dramas pois um profissional joga em que condição for.

Em Setembro de 1973 teve a sua homenagem, através de uma grande festa organizada pelos benfiquistas, que tinha como função a sua reforma. Tal não aconteceu. Só abandonou os relvados em 1979. A sua última partida com a camisola do clube do seu coração foi no dia 18 de Junho de 1975, frente à selecção africana, em Casablanca.

Jogou por outras equipas portuguesas tais como Beira Mar e União de Tomar. Em termos internacionais, a sua técnica foi aproveitada pela North American Soccer League com os Boston Minutemen, os Toronto Metros-Croatia e os Las Vegas Quicksilvers. Os joelhos eram o seu maior problema e teve mesmo de se retirar, apesar de contrariado.

Desde a sua retirada dos relvados, Eusébio foi o embaixador do futebol e um dos rostos mais conhecidos do desporto. A sua humildade foi sempre a sua imagem de marca e reconhecida até pelos seus mais ferrenhos adversários. A FIFA e a UEFA prestaram-lhe várias homenagens, o que mostra a dimensão do seu valor. Foi membro da seleção Nacional de Futebol até ao final da sua vida.

No dia 5 de Janeiro de 2014 a cidade de Lisboa parou para o acompanhar à última morada. O seu nome figura ao lado dos mais importantes do país, no Panteão Nacional, apesar do seu contributo ter sido bem diferente. Chora-se uma grande glória de outros tempos que não voltam mais.

Este homem foi um herói. Gostava de fazer o que fazia e tinha o verdadeiro amor à camisola. Foi sincero e genuíno, deixando muitas saudades e mostra que a simplicidade é um valor maior.

Maya Angelou

Pseudónimo de Marguerite Ann Johnson, nascida em St. Louis, Missouri a 4 de Abril de 1928 uma mulher que teve várias ocupações, mas cujo talento de escritora e poetisa lhe foi reconhecido.

Passou a infância na Califórnia, Arkansas, e St. Louis, e viveu com a avó paterna, Annie Henderson, a maior parte de sua infância. Quando tinha apenas oito anos, foi violada pelo namorado da mãe o que levou a anos de mudez. Só a conseguiu superar com a ajuda de uma vizinha atenciosa e um grande amor pela literatura.

Foi a primeira motorista negra de autocarros em São Francisco e tornou-se mãe solteira numa época em que tal postura não era vista com bons olhos. Mais tarde, tornou-se a primeira mulher negra a ser argumentista em Hollywood. Na década de 1950 fez um pouco de tudo e a sua presença não passava despercebida.

Nos anos 60 tornou-se amiga de Martin Luther King Jr. e Malcolm X, vindo a trabalhar com o Dr. King, chamando a atenção para o movimento de direitos civis. Era aqui que se sentia, mas livre e útil, na luta pela igualdade na sociedade, que tardava a chegar.

Viajou por África, onde trabalhou como jornalista e professora, ajudando vários movimentos de independência africanos. Em 1970, publicou o primeiro livro, I Know Why the Caged Bird Sings, que foi bem recebido, e no ano seguinte ganhou uma nomeação ara o Prémio Pulitzer em poesia.

Em 1993, Angelou leu um dos seus poemas, “On the Pulse of Morning”, na tomada de posse de Bill Clinton como presidente. Terá sido um dos pontos altos de sua carreira: recebeu o Grammy de melhor texto recitado pela sua leitura e voltou às luzes da ribalta.

No dia 28 de Maio de 2014, a sua saúde debilitada cede e fecha os olhos para sempre. A obra ficou para a imortalizar. A sua cara será tema de um selo dos correios, uma viagem que não acaba.

Shirley Temple

O dia 23 de Abril de 1928 viu nascer uma menina que veio a ter um papel de relevo em várias áreas da sociedade americana, e que criou uma luz que não se apagará com o tempo.

Actriz, bailarina, cantora e diplomata foram posições que ocupou na sua vida e que mostraram a sua fibra especial. O tempo passou, mas a menina do cabelo aos caracóis foi ficando como se nunca crescesse.

Começa na cinema, com apenas três anos, e entre 1935 e 1938 o sucesso era o seu parceiro. Recebeu um óscar infantil pelo seu trabalho que juntou com a publicidade: bonecas, sabonetes, vestidos, roupas, espelhos e ainda blocos de notas.

Apesar da sua popularidade, crescer neste meio não é fácil e não escapou de rumores que a desvalorizavam. Um deles afirmava que não era uma criança, mas sim uma anã de trinta anos. Isto por não a verem com falta de dentes, o que disfarçava com coroas.

Reformou-se do cinema com vinte e dois anos. Aquela que mais levantou a moral durante a Grande Depressão com Stand Up and Cheer!, foi um símbolo de entretenimento familiar saudável. Tal não significou que tivesse sido muito bem remunerada, o que ficou resolvido com recurso a muita astúcia.

Salvador Dali, em 1939, dedica-lhe um quadro, “Shirley Temple, o mais jovem, mais sagrado monstro do cinema do seu tempo”. Também a rádio foi a sua casa, em 1942. Não houve lugar onde o seu nome não tivesse tido um pouso.

Enveredou pela carreira diplomática em 1969 e teve vários cargos, Embaixadora na Checoslováquia e no Gana. Foi ainda Chefe do Protocolo, tendo recebido o Prémio Kennedy.

Esta mulher multifacetada também escreveu histórias, apresentados pela NBC entre 1958 e 1961. Casou duas vezes, teve três filhos, venceu um cancro da mama e deixou um rasto de pó de estrelas, quando fechou os olhos, no dia 10 de Fevereiro, que nunca se apagará.

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