Quando por vezes recebo mensagens com informação como esta:
«Estou na tua terra!»
A minha reacção imediata é: «A sério? Estás na Terceira?» Contudo, dai que obtenho umas respostas, algo que inusitadas:
— Não, pá! Estou nas lagoas, aquelas uma azul e outra verde, sabes?
— Não, pá! Estou a fazer uma espécie de retiro espiritual a subir ao pico.
— Não, pá! Estou na ilha que dizem que é a mais bonita, as Flores.
— Não, pá! Estou a comer um hambúrguer no Peter’s Café Sport.
Sempre que ouço ou leio este género de discurso descontraído e caricato, fico num misto de indignação e felicidade. Feliz por estarem a fazer turismo dentro do país e por terem escolhido as ilhas, mas, ao mesmo tempo, dividida entre a surpresa de me conhecerem há 20 anos e ainda não saberem de que ilha eu sou natural ou por confundirem as ilhas todas e acharem que se é uma ilha no meio do Oceano Atlântico é a ‘minha terra’.
Desde os tempos da faculdade que me perguntam se passamos de ilha para ilha a pé (sim, passamos, mas só na maré baixa e temos de levar um pau para ajudar com os peixes maiores e mais atrevidos) ou ainda o tradicional: «Vais lá? Traz-me um queijo.» Mas que queijo é que queres de lá?
Se tive de estudar na escola primária, os rios, as regiões e até quando tirei a carta tive de estudar os sinais de trânsito das vias férreas, como é possível que passadas tantas décadas ainda se confundam ou se atrapalhem com a localização das ilhas, dos grupos ou até mesmo dos arquipélagos?
E não me digam que é tudo igual, porque não é. Aqui no continente, também não apreciam que se confunda o Ribatejo com o Alentejo, ou o Algarve com Marrocos ou que se diga: ‘lá para cima, para o Norte’.
Neste caso, «a tua terra» e as ilhas em questão são os Açores. E sabiam que além de serem 9 ilhas, todas elas têm sotaques diferentes e muitas vezes dentro da própria ilha podemos apanhar variadíssimos sotaques? Eis a resposta à vossa questão: «Como é que és dos Açores, se não tens sotaque?» Ter até tenho, mas somente quando sujeita a condições muito especiais, tais como fome, sono ou sob stress, e em nada parecido ao sotaque que acham que é o sotaque açoriano.
E mentalizem-se que ir às ilhas num fim-de-semana não é conhecer ‘as ilhas’. Infelizmente, não é. Porque se assim fosse, desde tenra idade já conheceria pelo menos o arquipélago dos Açores só por osmose. Pensando bem não sei se quereria isso visto que deixaríamos de ter a necessidade de viajar para conhecer lugares do mundo e isso não é nada de bom.
Na mesma linha de raciocínio, não posso chegar à conclusão de que já conheço Portugal Continental só por ter vindo, em tempos, estudar para Lisboa. Porém, também já ouvi muito testemunho de não Europeus que basta conhecerem uma cidade europeia para ficarem a conhecer a Europa.
Senhores leitores, cada coisa é uma coisa e mesmo conhecendo várias partes da mesma coisa, dificilmente chegaremos ao completo conhecimento do Todo.