Para os leigos como eu, os ecrãs tácteis pareciam, até há poucos anos, algo pertencente aos filmes de ficção científica. Dispositivos electrónicos inteligentes, nomeadamente os que reconhecem o toque humano como instrução para o sistema de um aparelho, pareciam uma coisa saída de um mundo que não é o nosso.
Estes aparelhos podem ser, para o público em geral, uma novidade da última década e meia. Contudo, o ecrã táctil foi inventado há precisamente 50 anos. Em 1965, E. A. Johnson desenvolveu, no Royal Radar Establishment, uma tela sensível ao toque humano. Este equipamento era bastante simples, sendo apenas capaz de suportar um toque de cada vez. Operava num sistema binário onde identificava só duas posições: toque ou falta dele, independentemente da pressão aplicada no interface. Apesar de ter sido um salto no desenvolvimento tecnológico, este equipamento foi aplicado somente no uso em radares de controlo do tráfego aéreo, tendo-se mantido em actividade até a década de 90 do século passado.
Todavia, esta poderá não ser a data que mais importa. O mundo dos ecrãs tácteis que temos agora poderá ser atribuído a um outro vanguardista: Nimish Mehta, o cientista indiano que, percebendo que o futuro era a interactividade, apresentou, em 1982, o primeiro dispositivo multitouch do mundo.
Desde aí, a evolução de dispositivos multitouch não parou. Uma vez produtos laboratoriais resultantes de anos e anos de investigação científica, estes aparelhos foram, pouco a pouco, adaptados para a sua comercialização. Apesar de a evolução deste tipo de tecnologias num tão curto espaço de tempo ser assinalável, o mais notável foi a velocidade com que moldou a sociedade em que vivemos.
Hoje em dia, vivemos numa sociedade obcecada com os smartphones e com os tablets. Há mesmo gente que não consegue viver sem eles. A socialização adquiriu uma nova dimensão: a digital. Há quem argumente que com o advento das novas tecnologias de comunicação, as relações humanas reforçar-se-ão, pois agora as pessoas estarão mais próximas do que nunca. Contudo, há também quem defenda que as novas tecnologias estão a degradar as relações humanas. E a verdade é que a socialização faz-se do contacto ‘face-to-face’ e não no ‘face[book]’. Ou, pelo menos, esta era a noção sociológica que vigorava. Estamos a assistir a uma desterritorialização das relações humanas e à perda de importância do mundo físico que nos separa – o mundo virtual (falo, pois, das redes sociais) acelera a nossa vida, molda a forma de nos relacionarmos.
A isto, juntemos a evolução das narrativas e linguagens multimédia e as formas de comunicação. A substituição de cada letra de um alfabeto por imagens é um exemplo bem marcante da nossa era. O uso da imagem (ícones) em vez de letras como código, uma das regras para uma boa usabilidade de dispositivos electrónicos, tem vindo a permitir a utilização destes por quem não sabe ler, nomeadamente as crianças em idade pré-escolar, cada vez mais habituadas a usar este tipo de dispositivos. Para além de um novo tipo de socialização, estamos a assistir a um novo tipo de infância, por um lado, mais perto do conhecimento, mas também, por outro, mais perto do perigo da alienação e marginalização.
A conclusão é óbvia. Vivemos numa sociedade cada vez mais tecnológica. A nossa dependência destes aparelhos (que, em certa medida, nos complementam) está a tornar-nos num novo tipo de ser. Talvez daqui a uns anos, os historiadores olharão para esta época como a do fim do Homo Sapiens Sapiens e a do início do Homo Tecnologicus.