Ou o dilema do tempo de vida.
A condição natural do Homem, é entre outras, a de ser finita, ao Homem não está reservada a qualidade ou faculdade da imortalidade física. No entanto, existem na Humanidade, indivíduos, que após a sua morte física, o seu legado ecoa pela eternidade.
A natureza da vida, exige que todos nós sejamos objecto de cuidado, que por desígnio natural da idade, esse cuidado seja prestado pelos nossos pais ou pelos nossos avós, ou ainda por ambos.
A imposição natural do tempo a que nos se acomete a natureza humana, é a escada que qualquer individuo tem de escalar no tempo, não que o consiga fazer sozinho, pelo menos até atingir o degrau que lhe permita inverter esse papel até então desempenhado, o da aprendizagem, não significando, porém, que esse mesmo individuo tenha atingido tal degrau, que não mais necessite de aprender, simplesmente está mais longe no tempo de vida, que o seu sucessor.
A vida mede-se em tempo, e entre dois pontos cronológicos distintos, o início ou o nascimento, e o final do tempo de vida, a morte. É entre estes dois pontos, neste intervalo, que a idade é o factor diferenciador do Homem, que se apresenta ao mundo pelo seu nascimento, e que no final do caminho, aquando da sua morte física, se tornará um legado ou, simplesmente se tornará na sombra do esquecimento.
Nem todas as culturas observam este fenómeno natural do mesmo ponto de vista. Para a cultura muçulmana, o nascimento é uma celebração de pesar, não que o acontecimento seja algo de nefasto ou indesejado, não se trata disso, mas sim o sentimento de que o novo ser, tem a difícil tarefa de enfrentar as vicissitudes do mundo, porquanto a morte, se concebe em um momento festivo, onde deve imperar a alegria, esse momento para os muçulmanos, representa a vitória da vida sobre as vicissitudes do mundo e do tempo.
Diferente ponto de vista, existe na sociedade ocidental cristã, não significando, porém, que uma esteja certa e a outra errada, são simplesmente diferentes visões do mesmo acontecimento natural.
A sociedade ocidental, tem e já o manifestou (Christine Lagarde) um problema com os idosos, e por muito que se faça “vista grossa”, as sociedades ocidentais consideram a velhice um problema, social e económico, e esta mentalidade é grave.
A gravidade de tal assumpção ideológica, demonstra que a mesma sociedade se tornou egoísta e ignorante do seu próprio percurso, pois foram os mesmos idosos de hoje, os jovens e adultos de outrora, que no seu percurso geraram os actuais jovens e adultos, os mesmos que de boa vontade hoje descartam o fardo de cuidarem desses idosos.
Sem entrar em particularidades, porque as existem, reflictamos um pouco, no que significa ser idoso, que garantias nos deixam, e que obra nos legam, porque ser idoso não é de forma alguma, uma fase da vida, que não mereça ser, tal como a nós jovens e adultos, vivida em dignidade e respeito mútuo.
A velhice não se concebe na fase em que o idoso é um empecilho de alguém. Este idoso de hoje foi o mesmo que te acompanhou na saúde e na doença, que cedeu sonhos e liberdades próprias para cuidar de ti ou dos teus filhos, foi o mesmo que te educou. Tudo isto naquela fase da tua vida, que, sem essa ajuda e dedicação, não conseguirias chegar aqui.
A velhice não é uma doença, é uma fase da vida, longe do turbilhão de receios e dúvidas da juventude, longe do fardo da vida adulta.
A idade traz o conhecimento, a calma e a temperança, coisa que um dia também atingirás, a idade acarreta a sapiência (o poder do conhecimento aliado à experiência), coisa que como adulto jovem, ainda não possuímos em maturidade suficiente.
Se alguém hoje, procura qualidades ou aspectos positivos na velhice, que de forma completamente cega pretenda justificar as atitudes e os modos de olharem aos nossos idosos, esse alguém não compreendeu ainda o sentido da vida e dos dilemas que a idade acarreta.
As qualidades ou “positividades” da velhice, estão exactamente no mesmo sítio que os defeitos e “negatividades” se encontram, estão nos idosos, estão em mim e em ti. Se necessitamos de ler meia dúzia de linhas, para encontrarmos o sentido positivo de lidar com a velhice, então não aprendemos nada até aqui, as qualidades dos idosos de hoje, estão nos adultos do presente, sem a “peste grisalha”, como aos idosos se referiu um badameco malcriado em 2013 (deputado do PSD Carlos Peixoto), a humanidade estaria hoje extincta!!
É me extremamente difícil pessoalmente, sublinhar aspectos positivos ou negativos na geração que se encontra no seu derradeiro mandato de vida, é injusto e cruel esse exercício.
Se existir algum exercício a ser efectuado, será a introspecção individual, e a reflexão interior do papel que os “velhos” desempenharam no nosso ainda curto caminho, por certo que aí, no nosso interior iremos encontrar as positividades que teimosamente optamos por não ver nos idosos. Se os consideramos hoje como fracos, dependentes e até doentes, iremos aferir através dessa reflexão interna, que nós também já fomos fracos, dependentes e até doentes, e os tais que condenamos ao abandono hoje, foram os mesmos que não nos abandonaram na altura.
A velhice é a resolução do dilema da idade, os “velhos” encontraram a solução para o problema do tempo, porquanto nós, adultos, lutamos contra a falta de tempo, eles agradecem cada novo dia, e nós esperamos que o dia não acabe.
“Os alicerces que iniciares, serão as telhas do teu amanhã.”
Não procurem desculpas para a velhice, protejam-na e cuidem dela hoje, para amanhã poderem ser a nova velhice.