Eis uma questão que sempre me intrigou. Por que motivo precisa uma mulher de adotar o nome do marido?
Esta dúvida começa logo a não fazer sentido partindo do pressuposto que a mulher que inclui o apelido do marido não está manter o seu “nome de solteira” mas realidade está simplesmente a manter o seu próprio nome. O uso da expressão “nome de solteira” traz em si a estigmatização da mulher que não adere ao apelido do marido. O nome de uma pessoa é parte da sua identidade independente do seu estado civil, parece-me óbvio.
O argumento da tradição também não justifica esta opção. Se formos por ai, também a tourada é uma tradição e não é por isso que não é um espetáculo horrível (na minha opinião) envolvido em tanta contestação. Algumas mulheres “gostam de respeitar a tradição” não o veem como uma quebra na sua própria identidade, outras porque querem agradar o futuro marido, outras por considerarem esta mudança um ato de amor ou por uma outra qualquer razão pessoal. E depois claro, temos o outro lado da “barricada” que na generalidade critica as mulheres que querem passar a ser identificadas com o nome do marido conotando-as de submissas, pouco independente e de estarem a abdicar da sua identidade, meter tudo no mesmo “saco”, nem sempre corresponde à verdade.
Nada obriga uma mulher a adotar o apelido do marido no casamento. No entanto, de forma voluntária ou em nome da tradição, muitas são as que alteram a sua identificação, apesar de essa tendência ter vindo a decrescer na última década. Manter o “nome de solteira” (como expliquei acima, é uma denominação que não faz sentido) pode ser entendido como uma recusa à submissão masculina ou à necessidade de se manter um nome que significa experiência profissional ou peso na sociedade.
Num artigo que li no publico.pt, retirei este excerto que diz: “Filomena dos Santos, professora na Universidade da Beira Interior e investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia no Instituto Universitário de Lisboa, observa que o “facto de as mulheres continuarem a usar o sobrenome dos maridos após o casamento, e apesar deles também o poderem fazer mas serem elas a fazê-lo mais frequentemente, terá a ver com a tradição, e apesar do reforço da autonomia feminina e da crescente igualdade de género, o casamento continua associado à dominação simbólica do masculino, e a questão do sobrenome é disso um exemplo”.
Por outro lado, a contextualização histórica diz-nos que até ao século XIX não havia qualquer indicação quanto à obrigatoriedade ou direito de a mulher usar o apelido do marido. Terá sido após essa altura que as mulheres o começaram a fazer num ato explicado essencialmente com o reafirmar do homem como chefe de família, só em 1910, na lei republicana, surge a possibilidade de a mulher optar por ter o sobrenome do marido.
Num artigo publicado em 2008, o antropólogo da Universidade Nova de Lisboa, Armindo dos Santos, explica que até 1976, o artigo 1675.º do Código Civil autorizava “expressamente” essa possibilidade: “a mulher tem o direito de utilizar os nomes do marido até que o divórcio tenha sido pronunciado ou, em caso de viuvez, até segundas núpcias”. Após as alterações à lei há 38 anos, foi incluído o artigo 1677.º – Direito ao nome, que estabelecia que também o homem poderia acrescentar um ou dois dos apelidos da mulher aos seus. A lei estabelece atualmente que os noivos definam se “pretendem ou não adotar o apelido ou apelidos do futuro cônjuge, num máximo de dois”. “Por defeito, prevalecem os apelidos de cada um, pelo que a alteração tem que ser expressamente requisitada”, explica o site do Instituto de Registos e Notariado.
De acordo com o Instituto de Registos e Notariado, em 2014, apenas 1422 homens optaram pelo nome da mulher – cerca de 4%. Se tivermos em conta que em 2007 a percentagem foi a mesma, não se notou grande alteração desta prática em sete anos. Já a percentagem de mulheres que adotou o nome dos maridos caiu perto de 8% entre esses anos de referência (49,15% em 2007, contra 41,42% em 2014).
A antiga presidente da PpDM (Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres) e da Association des Femmes de l’Europe Méridionale, Ana Coucello considera que se trata de uma “prática que se traduz na renúncia pelas mulheres ao fator distintivo que sinaliza a sua singularidade civil e social, o que as torna ‘irreconhecíveis’, contribui para a sua invisibilidade no espaço público e dificulta o estabelecimento de redes entre elas pela descontinuidade abrupta que introduz, já que a sua ‘marca de origem’ muda subitamente pela simples assinatura do assento de casamento”.
Não tenho nada contra esta opção, depende sempre do critério de cada um, é uma escolha pessoal. As mulheres que o fazem não podem no entanto esquecer, as implicações que acarreta esta mudança, ao adotar outro apelido estão em parte a renunciar à sua identidade e à sua singularidade. Contudo, para mim que demorei um tempo a perceber na extensão do meu nome que parte dele deveria selecionar para me diferenciar e identificar, estar a acrescentar outros nomes não faz qualquer sentido, como não fará para a outra parte, é igual.
A alteração da mentalidade em relação a este tema, permite respeitar a igualdade entre homens e mulheres, a meu ver. Os filhos sim, são a junção de ambos e serão eles os “portadores” dos apelidos da mãe e do pai, em rigor são eles o resultado da união e os legítimos herdeiros aos apelidos de cada um dos lados da família.