“If you want to get on in this life, there are things you have to ignore.
Eileen
Este filme conta a história de Bill Furlong (Cillian Murphy), um comerciante de carvão que descobre um segredo terrível que se esconde no convento local de uma das cidades da Irlanda, nos anos 80.
Um filme pesado, poderoso e com uma dura mensagem sobre o conflito que existe entre a coragem de reagir e o conforto de ignorar. Uma obra onde a cinematografia e a representação se aliam para criar uma atmosfera densa e única.
Começamos por ver Bill na sua rotina diária. Ele conduz de local em local a transportar carvão, e é aqui que ele começa a assistir a alguns comportamentos estranhos dentro do convento da sua terra.
Bill apresenta um peso natural na sua expressão facial, mas existe algo de tenebroso na forma como, subtilmente, o filme nos representa o peso que este sente nos ombros (literal – carvão / metafórico – um segredo e a proteção da sua família).
Existem várias cenas onde vemos Bill com a sua família e como este trata de forma protetora todas as suas 5 filhas e a mulher. O facto de ter apenas filhas, acaba por ser um fator muito importante na história.
Embora possa aparentar alguma lentidão na narrativa, é tudo intencional. O filme cria esta atmosfera para nos tirar o tapete com as revelações que vão surgir.
Uma cena que surge de forma repetida de Bill a lavar as mãos ao chegar a casa, como parte da sua rotina, tem um simbolismo enorme para tudo o que vai decorrer daí. A sua mente está carregada com um segredo.
Vemos também vários flashbacks à infância de Bill, que nos formam o puzzle completo para o ser amargurado que ele é.
Emily Watson interpreta a fria Irmã Mary, e consegue competir com Cillian para melhor atuação do filme. Eles são a alma interpretativa desta obra e só pela atuação dos dois, carregada de tensão, toda a obra vale a pena.
A cinematografia do filme é muito cinzenta e fria, o que cria um enorme paralelo entre o que vemos e o que sentimos quando todas as revelações são gradualmente feitas ao espectador.

Mais abaixo, vou entrar em maior profundidade na conclusão do filme. É sem dúvida um filme desafiante, com um ritmo propositadamente lento, com uma imagem algo sombria, mas carregado de talento e com uma história poderosa sobre o facto do heroísmo residir em “pequenas coisas como estas”.
7.5/10
*CUIDADO COM OS SPOILERS*
O “segredo” que Bill encontra é que as jovens que residem no convento e estudam para ser freiras são exploradas e abusadas pelas irmãs. Isto é-nos revelado de forma muito gradual e não constitui propriamente um “twist”. No entanto, não deixa de chocar.
Numa das cenas mais fortes do filme, Bill encontra uma jovem presa no armazém junto ao carvão que este deposita e, quando este confronta a Irmã Mary, esta chama a jovem, que diz ter sido apenas uma brincadeira das colegas. O cinismo e hipocrisia da cena é tão bem representada que eleva todo o filme.
A instituição da Igreja é poderosa e na Irlanda dos anos 80 isto é uma verdade ainda mais relevante que em outros locais do mundo. Vemos como, para ter uma confortável posição social, a aprovação da Igreja é fundamental.
Bill confidencia com a sua esposa, Eileen (Eileen Walsh), que de forma muito perentória explica ao marido que deve ficar quieto e fingir que não vê nada.
No fundo é este o grande tema do filme: Bill é uma pessoa amargurada que viu a mãe a ser morta, que vive rodeado de mulheres jovens que são tudo para ele e percebe que muitas raparigas estão a ser sujeitas a maus tratos, no convento. Embora seja muito mais confortável não fazer nada, há algo que não o deixa descansar.
As cenas de Bill a lavar as mãos parecem sugerir como este pretende lavar-se deste problema e deste peso e, ao mesmo tempo, que esta sujidade que sente vai muito além do carvão.
O final do filme é satisfatório: Bill socorre uma das jovens do convento e leva-a para casa. Não vemos nada mais, porque o filme só pretende fazer o arco da coragem que Bill apresenta ao ter uma ação que vai prejudicar a sua família e a sua reputação (não vemos estas consequências o que acaba por ser ainda mais poderoso e focado na mensagem).
Percebemos como, mesmo com represálias futuras, este sente que está a fazer o correto. É poeticamente das únicas cenas do filme em que vemos Bill a sorrir.