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O homem não nasce, faz-se!

Com o lançamento do livro Identidade e Família, voltámos a discutir o significado do que é ser homem e mulher, especialmente do que é ser uma família, tradicional ou não. De acordo com algumas das entrevistas dadas após o lançamento do livro, no qual estiveram envolvidos um ex-Primeiro-Ministro, um padre e outras figuras da sociedade portuguesa, cada um dos sexos tinha funções diferentes.

De um modo menos consciente, apesar de tudo, ainda pensamos em papéis sociais atribuídos a homens e mulheres. Se tivermos um problema de canalização, pensamos rapidamente em chamar um canalizador; se o carro começar a fazer sons esquisitos, pensamos em chamar um mecânico. Se tivermos, porém, de pôr roupa na lavandaria para ser lavada e engomada, logo pensamos que ali estará uma mulher. O mesmo se pode dizer se quisermos pedir que alguém faça uma bainha numas calças. Esperamos por uma costureira. O nome da profissão já indica quem esperar, do ponto do sexo do(a) trabalhador(s).

Na verdade, algumas das pessoas crescem a pensar que existem profissões para homens e para mulheres. Que os dois sexos têm temperamentos diferentes: as mulheres tendem a ser mais emocionais e os homens, mais fortes. Será que é mesmo assim?

Margaret Mead, uma antropóloga estadunidense, procurando saber se existia realmente uma diferença entre os sexos, estudou três povos diferentes: povos de língua arapesh, mundugumor e tchambuli. Estes povos viviam na ilha de Papua-Nova Guiné. 

O povo arapesh vive nas montanhas e caracteriza-se por uma total igualdade entre os dois sexos. Tanto homem quanto mulher são considerados responsáveis por cuidar dos filhos. E se, por algum motivo, é necessário que um exerça poder e autoridade, este ato é encarado como um mal necessário. De modo geral, trata-se de um povo pacífico e sem tradição de guerra, não se esperando que os homens sejam violentos, antes pelo contrário. Os que são violentos ou matam outros são vistos com desdém e relegados a papéis cerimoniais, como a purificação de outros criminosos. Então, neste caso, é esperado dos homens que sejam brandos e cooperativos. Se vistos em conjunto e nos diferentes papéis que cada um desempenha nas aldeias, não se pode falar com propriedade que cada um dos sexos se diferencie. Os traços de personalidade, em resumo, caracterizam-se pela gentileza ou cooperação.

O povo mundugumor era caracterizado por uma cultura mais agressiva, com traços temperamentais competitivos e uma abordagem mais ríspida à parentalidade. Neste povo, de modo geral, as pessoas eram mais aguerridas e até violentas. Se no povo arapesh, ambos os pais se dedicavam exaustivamente ao cuidado dos filhos, com o povo mundugumor, parecia existir uma atitude negativa relativamente às crianças, que eram castigadas fisicamente com frequência. É curioso notar que, à semelhança do que acontece com o povo arapesh, neste povo também não parece existir diferenças entre os sexos, uma vez que ambos, se utilizássemos os critérios ocidentais para os classificar, estariam no que atribuiríamos ao sexo masculino.

Quanto ao povo tchambuli (também conhecidos como chambri), Mead encontrou realmente diferenças entre os sexos. Um dos sexos era dominante, assertivo e desempenhava posições de liderança, enquanto o outro era mais dado a vestir-se com roupas mais exuberantes ou usar algum tipo de maquilhagem. O que é interessante é que, pela descrição, alguém no Ocidente relacionaria facilmente a descrição do sexo dominante como sendo o masculino e o outro o feminino, mas, neste povo, é o contrário.  As mulheres eram dominantes, comandavam as aldeias; a responsabilidade por prover de alimentos, nomeadamente através da pesca, era delas. O seu poder incluía, de igual modo, a capacidade de negociar os excedentes de víveres ou criação de riqueza, através da venda de redes. Os homens dedicavam-se à arte e à estética e tendiam a ser emocionalmente frágeis.

A conclusão a que Margaret Mead chegou foi a de que não existem temperamentos inatos a cada um dos sexos e, consequentemente, os papéis sociais esperados de cada um dos sexos são socialmente construídos e dependem mais da cultura em que se nasce do que propriamente de elementos genéticos. E este papel da cultura sobre nós age de tal forma, que incorporamos estas disposições e as pensamos como naturais.

Se os estudos de Mead mostram que as expectativas relativamente aos homens e às mulheres variam profundamente entre culturas, então é legítimo perguntar: que tipo de homem continua a ser esperado nas famílias portuguesas de hoje? Mesmo com avanços em igualdade formal, a figura do «homem da casa» parece persistir através daquele que provê, chefia ou guarda para si as emoções. Mas, se esses papéis são ensinados culturalmente, também podem ser questionados. Talvez o desafio atual não esteja em procurar um novo ideal de homem para encaixar no velho papel, mas, sim, em conseguir transformar o papel num espaço de relação mais livre, mais justa e equitativa.

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