Com os pés assentes no passado, mas de olhos postos no futuro.
Tomé
Esta polémica série produzida pela TVI, conta a história de Tomé Serpa (Rui Melo), um prestigiado arquiteto e professor, que vê a sua carreira ameaçada por um iminente escândalo, quando é descoberto que este se envolve com mulheres e faz filmagens sem o consentimento das mesmas.
Devo dizer que achei esta série muito competente e bem executada por todos os envolvidos: Os atores são excelentes na sua interpretação, com especial destaque para Rui Melo, Maria João Pinho e Teresa Tavares que são o “trio d’ataque” que lidera todos os episódios. A representação é, sem dúvida, o maior triunfo da série.
A escrita de Patrícia Muller e a realização de João Maia formam um puzzle em que as peças encaixam de forma natural e com uma atmosfera muito adequada ao tema tratado.
Polémica
A polémica,em redor da série, prende-se com dois principais fatores:
- A óbvia inspiração do escândalo sexual de Tomás Taveira, arquiteto famoso em Portugal que foi denunciado por praticar os mesmos atos, em finais dos anos 80 – O canal tenta (sem sucesso) não se responsabilizar com um aviso no início de cada capítulo de que todas as personagens retratadas são fictícias, e que pode apenas *parcialmente* existir uma inspiração em factos reais – Numa clara assunção de que não foram dados os direitos para esta história.
- O colocar Tomé num papel de “galã” e de herói da trama – E ao ver a série fica claro, desde o primeiro episódio, que este é na verdade um antagonista e que um dos propósitos da série é colocar sempre as vítimas num papel de denúncia e emancipação.
Personagens
O primeiro episódio é uma lição em enquadramento de personagens: somos apresentados ao perfil do arquiteto Tomé (nome deveras parecido com Tomás…), um visionário que acaba de ser premiado e que no seu discurso exalta confiança, entusiasmo e um carisma único que Rui Melo consegue captar na perfeição.
Conhecemos Carolina (Teresa Tavares), a “amante” do arquiteto e como esta tem uma louca paixão por este homem. O sentimento de Carolina é bem demonstrado e justificado o que nos senta num lugar de empatia com a personagem.
Elsa (Maria João Pinho) é a fiel secretária, muito competente mas com um sentido de justiça inabalável. Se Tomé é o “coração” da história, podemos dizer que Elsa é a alma de toda a série.
Tanto Carolina como Elsa aparecem de forma alternada em “declarações” que estão a ser feitas para uma misteriosa reportagem e são a representação da emancipação feminina necessárias para derrubar o “domínio” do arquiteto.
Isabel Serpa (Paula Lobo Antunes) é a mulher de Tomé e embora não tenha muito tempo de antena preenche bem o seu papel de conflito interno, entre o pai dos filhos que respeita e o marido que acaba por desdenhar.
Vemos durante os diferentes episódios como Tomé é persuasivo com os seus colegas, com a sua amante, e até com os seus alunos/alunas. Uma figura de responsabilidade e que defende os filhos até às últimas consequências.
Mikaela Lupu, Miguel Borges e Francisco Froes contribuem com papéis secundários mas decisivos na história.
Atmosfera e Aspetos Técnicos
Mais do que contar uma história – até porque esta em si parece algo “limitada” ao tema central – a série resulta muito na atmosfera concentrada e densa que consegue criar.
A personalidade de Tomé é composta por muitas camadas e isso é explorado pela realização das mais diversas formas.
O primeiro capítulo começa com uma filmagem inocente do filho de Tomé a questionar o pai como se sente com a inauguração do novo shopping e a pedir para falar com o espectador. Esta temática das filmagens e de “cassetes” é um ponto chave de toda a série.

A trilha sonora merece também nota positiva, apresentando intriga e uma melodia corrosiva a um nível certeiro.
Alguns subplots não oferecem um desenvolvimento que justifiquem a sua existência, mas não estragam a série que é compacta, e competente, com uma qualidade muito equilibrada nos seus 6 capítulos. Não é uma série em que um episódio específico se destaque imenso pela positiva ou negativa. É, no final de contas, uma história de coragem e denúncia.
7.0/10
Spoilers
Não existe grande mistério sobre a conclusão de uma série como esta. O desfecho é exatamente o que qualquer pessoa pode prever (e retrata mais uma vez, a verdadeira história de Tomás Taveira).
O escândalo é lançado para as ruas, a carreira e a família de Tomé ficam destruídas.
Acabamos com uma sensação que assistimos a um arco de decadência. Uma reputação de arquiteto visionário com construções megalómanas foi transformada na de um homem pervertido e que é alvo de chacota por todos.
É, de forma muito direta, um alerta para todos estarem atentos ao que está à nossa/vossa volta.