Hoje, não.
Hoje não temos tempo para que sentimentos surjam, nasçam e renasçam.
Hoje, não.
Ontem, também, não houvera tempo suficiente para tal luxo.
Amanhã, talvez. Amanhã haverá tempo. Hoje não.
O tempo urge, o tempo apressa-se.
Há planos a cumprir, há objectivos a honrar, há desejos e anseios por realizar. Sonhos pragmáticos e reais espreitam pela clarabóia.
A palavra e os compromissos que nos dão crédito no dia-a-dia devemos cumpri-las, honrá-las e, por isso, não temos tempo para que sentimentos se transformem em distracções. Não podemos nem conseguimos dar-nos a esse luxo.
Existe o trabalho e a subsistência robótica e plastificada da devida presença no mundo. Há responsabilidades e a incumbência inerente da própria realidade formatada. Existem dívidas e dúvidas existências que devemos ouvir e focar-nos. Ser práticos, ser metódicos e racionais. Ser rápidos. Não temos tempo para sentir, não há tempo a perder.
A máquina gigantesca na qual nos tornamos não pode nem deve parar. O turbilhão e a azáfama dos dias de hoje insistem para que as engrenagens estejam lubrificadas para que o círculo vicioso e artificial funcione devidamente.
No entanto, quando o mecanismo começa a ficar frágil e vulnerável e, nesse momento, permitimos que a falha proceda, aí, apenas aí, conseguimos sentir novamente. Tornamo-nos humanos e não zombies formatados para a rotina a que nos sujeitamos.
Contudo, a máquina não pode ser lubrificada por qualquer género de sentimento porque não há tempo. Temos de manter o foco na realidade. Não podemos concentrar-nos em quadros abstractos, filosóficos e líricos.
Não podemos, nem devemos e, no fundo, ninguém quer saber.
E se, por algum instante, invertermos a realidade com uma volta de 180º?
Olha para o lado e diz que amas.
Diz, em voz alta, o que sentes. Ainda te lembras como se sente?
Verte uma lágrima e não te arrependas.
Grita a plenos pulmões.
Abre o pórtico e deixa entrar esses sentimentos que pairam e dos quais insistes em repelir.
Pinta um novo quadro.
Porém, não há tempo. Amanhã, talvez.
Tornamo-nos escravos do nosso tempo. A fuga e a debandada desde de manhã até à noite faz com que deixemos os sentimentos e emoções guardados na mesa-de-cabeceira. A bengala da vida deixou, há muito, de ser qualquer sentimento, afecto ou emoção. A vida que escolhemos toca a música que pretende e, por obrigação inconsciente, devemos dançá-la. Não há escolha, não há opções. E neste entretanto, ficamos com tanto para ceder e para ceder-nos.
Basta querer. Queres?
Amanhã, talvez. Hoje não temos tempo.
O Homem está sonolento, está robótico. Está automatizado para usar o escudo que nos impede de passar a fronteira e de nos humanizar. Sentir, hoje em dia, é um luxo. Um luxo que poucos se permitem a desfrutar do seu real sentido da palavra.
A grande maioria de nós está demasiado ocupada com o trabalho e com o que se passa com a sua vida para parar e vivenciar genuinamente os seus sentimentos. Ou estamos dormentes ou com demasiada pressa para sentir algo.
Qual é a importância de sentirmos?
Há quanto tempo não sentes? Há quanto tempo não te permites a tal?
Deixemos as emoções surgirem como um carrossel desenfreado. Deixemos os sentimentos balançarem no vácuo da nossa vida e empregar-nos genuinamente.
Mas hoje, não. Amanhã, talvez.
Um olhar clínico sobre o homem e o tempo. Tudo nos consome na velha engrenagem da sociedade gradualmente racional e depressiva. Falta-nos tempo para as emoções e de forma inconsciente vamos adiando, rir, sorrir, chorar, emocionar. Parabéns pelo texto.