A educação não é apenas o acúmulo de conhecimentos, mas o treino da sensibilidade humana. Talvez educar seja, antes de tudo, ensinar a sentir: a compreender o próprio medo, a reconhecer a tristeza, a lidar com o outro sem se perder de si. Durante muito tempo acreditamos que aprender era um ato puramente racional — um exercício de memória e lógica. Contudo, a experiência mostra que nada se grava profundamente sem o envolvimento emocional. O que nos transforma não é a informação, é o afeto que ela desperta.
A escola moderna, em muitos contextos, afastou-se dessa dimensão sensível. Tornou-se um espaço de metas, notas e relatórios. Transformou o ato de aprender em desempenho mensurável, uma linha em planilhas que parecem mais adequadas a fábricas do que a seres humanos. Em nome da eficiência, o erro, a dúvida, o tempo da descoberta — e com eles, o espaço do sentir — foram marginalizados.
Educar para sentir não é transformar a escola em consultório emocional, mas reconhecer que emoções são parte do aprendizado, não obstáculos a ele. O medo de errar, a frustração diante da dificuldade, a alegria de compreender algo novo — tudo isso compõe a experiência de aprender. Negar esses sentimentos é negar a humanidade de quem aprende. Estudos mostram que a emoção influencia processos cognitivos como atenção, memória, raciocínio e solução de problemas.
Há uma falsa oposição entre razão e emoção. Como se pensar fosse o contrário de sentir. No entanto, toda decisão racional nasce de um impulso afetivo: curiosidade, indignação, desejo de compreender. Sentir é o motor do pensamento. A emoção é o ponto de partida da reflexão — é ela que nos move a perguntar, duvidar, buscar respostas.
O mundo contemporâneo, com sua pressa e produtividade, ensina o contrário. Ensinamos crianças e jovens a competir, a acumular resultados, a correr para um futuro que ninguém sabe exatamente o que é. Falamos de empatia e convivência, mas o modelo educacional que oferecemos se baseia em comparação e solidão. Não há escuta real, apenas vozes que se atropelam tentando ser ouvidas.
Educar para sentir é resgatar a escuta — de si e do outro. É entender que o silêncio também educa. Que o professor que acolhe a dúvida está ensinando mais do que aquele que apenas repete respostas. É ensinar que o erro faz parte da vida, que a vulnerabilidade não é fraqueza, mas abertura. Em ambientes onde os alunos se sentem vistos, suas emoções valorizadas, a aprendizagem aprofunda-se. A revisão sistemática “The Influence of Academic Emotions on Learning Effects” revela que emoções positivas melhoram o desempenho acadêmico, e que regular emoções favorece a aprendizagem.
As emoções não podem ser tratadas como “competências socioemocionais” em um currículo — como mais um conteúdo a ensinar. Elas são o próprio tecido da aprendizagem. E talvez o papel mais revolucionário da escola seja justamente esse: oferecer um espaço onde se possa sentir sem medo. Onde o afeto não é desvio do foco, mas caminho natural do conhecimento.
Educar para sentir é preparar pessoas para viver. Para reconhecer o outro sem precisar anular a si mesmas. Para compreender que o mundo não se resolve com certezas, mas com a delicadeza de quem se permite hesitar. É formar cidadãos empáticos, mas também lúcidos — pessoas capazes de perceber a própria sombra e por isso menos inclinadas a projetá-la nos outros.
Talvez o futuro da educação dependa menos da tecnologia e mais da presença. Menos da velocidade e mais da escuta. Porque, no fundo, só aprende de verdade quem se permite ser tocado pelo que aprende. O conhecimento que não atravessa o coração, por mais brilhante que seja nos resultados, não cria raízes.
Educar para sentir é lembrar que somos antes de tudo humanos — e que é no sentir, no medo, na alegria, na dúvida, no espanto, que começa toda forma de aprendizado que vale a pena.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Português do Brasil.