Nas últimas semanas vivemos as eleições no Partido Socialista, envoltas em muitas movimentações, acusações, suspeitas e afins, o normal na política portuguesa. De forma deliberada, nesta crónica semanal, escrevi apenas sobre um, ou outro ponto mais imediato, até porque quis esperar que, efectivamente, acontecessem as eleições primárias para poder tirar algumas conclusões, a meu ver, importantes.
O primeiro ponto que gostaria de referir foi o processo em si. Espelho total do que se vive na política portuguesa, Antónios trataram-se por tu de forma amigável, apontando, de forma menos simpática, baterias um ao outro. Claramente, a estratégia de Seguro foi a de atacar Costa, como uma criança mimada a quem queriam tirar o brinquedo. Embora tivesse parecido, numa primeira instância, que Costa tinha perdido os debates, a realidade é que, de forma mais ou menos consciente, a estratégia de Costa deu brilhantes resultados, tendo consistido apenas em permitir que Seguro mostrasse um lado seu que ainda não tinha demonstrado, um lado vingativo, atacante e pouco diplomático. O resultado já se começava a desenhar. A meu ver, a cisão que se criou no PS ainda agora começou a dar sinais, o que talvez vá transformar o partido duma forma substancial no futuro.
Por outro lado, entristece que, mais uma vez, se tenha perdido a oportunidade de perceber o que realmente o PS quer fazer, se e quando chegar a governo. Para além das acusações mútuas, não se ouviram soluções, não se ouviram propostas, nem ideias, apenas uma troca de galhardetes que em nada melhorou o país. Confesso que entristece, mas não surpreende.
Costa cilindrou Seguro, disso não há qualquer tipo de dúvidas. Seguro embrenhou-se na sua própria teia e demonstrou claramente que não tem personalidade para ser candidato a Primeiro-Ministro e, muito menos, a levar o PS a ganhar umas eleições. O grande desafio de Costa, agora, é mostrar aos portugueses que não é um simples D. Sebastião e que tem uma alternativa ao Governo PSD/CDS. Essa tarefa não será fácil, até porque, honestamente, muitas das medidas que este Governo tomou, tenho a certeza, teriam sido também tomadas pelo PS e Costa sabe-o bem. Tanto assim é, que ainda nada saiu de ideias e soluções, nem sequer uma coisinha pequena que desse algum alento. É natural que o PS agora suba nas sondagens, mas tal será sol de pouca dura, se não saírem sinais concretos de alternativa por parte do PS e os resultados económicos das políticas do Governo começarem a dar mais sinais positivos.
Soube-se ontem que Ferro Rodrigues é o novo líder da bancada parlamentar do PS. Estes são sinais, a meu ver, pouco positivos. Mais do mesmo, as mesmas caras e as mesmas personalidades, com certeza irão levantar fantasmas, na hipótese de um futuro Governo PS, de caras já antes conhecidas dos governos de Guterres e Sócrates voltarem a ocupar lugares. No fundo, o próprio Costa é o reflexo também desse passado e este poderá ser, também, mais um ponto que poderá fazer com que não suba tanto quanto se poderá esperar agora.
Um último ponto, mas igualmente importante, o sistema de primárias, embora precise de ser muito apurado, revelou-se muito interessante do ponto de vista de participação popular, algo que pode e deve ser replicado para outros partidos, nomeadamente para o PSD. É importante voltar a trazer o cidadão à política e à escolha efectiva dos candidatos e as primárias podem, efectivamente, ser um meio para que isso aconteça. Contudo, é preciso deixar de haver cartas na manga e agendas escondidas, é preciso que os candidatos tenham ideias e as transportem para uma discussão saudável e frutuosa. Essa é a única forma de fazer da democracia um sistema verdadeiramente humano.