– Vermes! – fechou o jornal. – Sempre o mesmo, sempre a mesmíssima coisa. Corruptos. Damascos bolorentos, grainhas mastigadas, parasitas.
– Qual é o apoquento, Gregório?
– O jornal é de hoje, mas o cheiro é de mofo. A única novidade que traz é a data.
– Fala sobre o escândalo de corrupção?
– Que outro seria. Corruptos de merda. Rançosos.
– Anda-te daí que hoje o almoço são carapaus alimados.
– Valha-nos os bichos em azeite e alho.
– Estas folhas que aqui estão são tuas, Gregório?
– Sim, são umas coisas fotocopiadas que me pediu a minha filha.
– Se o chefe sabe mete-te em azeite e alho tal qual um carapau.
– Devia era dar-me a máquina das cópias e mais dez iguais.
– Gregório, por isso é que já levei duas ou três caixas daquelas canetas que chegaram!
– O que ele ganha connosco que diferença lhe fará isto. Tampouco nos dá valor. Ainda me empregou a mulher como se fosse um grande favor.
– A tua mulher não tinha muita experiência nisto, pois não Gregório?
– Não, mas isso que importa.
– É que havia para aí alguém que se candidatou com muita experiência, cursos e essas coisas todas.
– Mas conhecia cá alguém?
– Acho que não. Anda-te mas é daí Gregório, passamos ali na tasca do Júlio antes dos carapaus que ele oferece-nos umas entradinhas e uns bons copos que hoje não está lá o dono. Traz o jornal que dou um olhinho depois do almoço.
– Aqueles corruptos! Vermes, a usar o que é do povo como se fosse deles!
– Nem imaginas as náuseas que isso me dá. Até fico doente, sabes lá.
– O mal deste país são estes políticos de merda.
– Tão verdade, Gregório!
Os factos. A conta. O peso e a medida. A proporção. Descora-se o princípio básico subjacente, característica de um povo. O contexto define a proporção. Canetas são fogo de artifício num princípio igual de justificativas de auto recompensa, auto merecimento. De nós para nós. No poder, não mais lá está que o princípio de um povo. Acautelemo-nos, pensemo-nos. Desconfiemos daquilo que podemos ser, aumentada a escala, a medida e a proporção. Levamos as canetas porque o são ou porque em nossas mãos não podemos levar nada mais?