A cidade talvez seja o melhor lugar para se estar quando se quer estar sozinho. É tão fácil deixar que a multidão nos envolva, que sejamos apenas mais um, que ninguém dê por nós no meio de tantas faces. É fácil estar sozinho porque na cidade há tudo, à distância de um clique ou um telefonema.
É fácil encomendar comida, até mesmo fazer compras online no supermercado, é fácil apanhar um transporte que nos leva a qualquer lado, em alternativa há táxis com fartura, lugares onde ir, onde podemos estar sozinhos sem que alguém nos pergunte alguma coisa: ruas para passear, monumentos para ver, pastelarias para parar.
A cidade, descrita desta forma, até parece o paraíso para os solitários. Mas aqueles que o são por desejo não têm dificuldade em encontrar os seus paraísos. Costumam ir para lugares remotos viver a solidão, a simplicidade ou o silêncio. Fazem uma viagem sozinhos, sem opiniões de ninguém, sem esperas, sem entraves. Recusam encontros, momentos de socialização, acasos de vida.
Porque até a cidade pode ser o maior empecilho do solitário: que a cada esquina encontra um conhecido, ou alguém que tenha uma ligação que nos leve até ela, elos entre pessoas que se descobrem. E numa cidade isto acontece mais vezes do que se pode pensar. Como na anedota em que alguém, num lugar o mais remoto possível, encontra um antigo colega de escola que não via há mais de vinte anos.
Acontece que a cidade é o pior lugar para se ser sozinho, quando não se quer. Porque aí já não encontramos indesejados, já não conhecidos de conhecidos, amigos inesperados, colegas perdidos. Quem não quer estar sozinho não encontra ninguém. Porque na rua afinal as pessoas não se cumprimentam, porque os vizinhos não querem saber da vida de ninguém, porque ninguém se mete connosco só para falar do tempo ou do resultado das últimas análises, porque na pastelaria ninguém tem paciência para nós. Porque é na cidade que ninguém tem a ver com a vida dos outros, ninguém se mete, e por isso uma pessoa pode ficar meses morta em casa, a ser comida pelos gatos, sem que alguém dê um alerta às autoridades.