Presta atenção

Num mundo rico em informação, a abundância de informação significa a escassez de outra coisa: a escassez daquilo que a informação consome. O que a informação consome é bastante óbvio: consome a atenção dos seus destinatários. Por isso, a abundância de informação cria uma pobreza de atenção.”

Herbert A. Simon

Para onde quer que nos viremos, invariavelmente, encontraremos algo que atrai o nosso olhar. Enquanto esperamos pelo autocarro, um anúncio vai rolando na paragem. Já dentro do autocarro, ou em qualquer carruagem de um comboio, ou metro, um anúncio vai-nos distraindo o olhar. Entre partes de um vídeo no YouTube, 30 segundos, por vezes um minuto, aparecem para nos mostrar algo que possa ser do nosso interesse para comprar.

Podemos, inclusive, ter acesso a serviços gratuitos, como o Spotify ou aplicações para dispositivos móveis, se nos dispusermos a ver alguns anúncios. Tudo pode ser acessível com os devidos consentimentos. Até ao ler notícias, nos deparamos com uma concorrência de pop-ups que se abrem para clicarmos. Cada página que abrimos e quase todos os locais clamam pela nossa atenção de um modo exagerado. As próprias aplicações estão desenhadas para passarmos o máximo de tempo possível sem nos apercebermos. Facilmente, alguém que abra um reel no Instagram não parará por ali, porque, sem nos apercebermos, estamos a deslizar para cima pela curiosidade de saber sobre o que será o próximo.

Se tudo requer a nossa atenção e existe concorrência por parte de empresas por essa atenção, então é porque ela é mais valiosa do que poderíamos imaginar. Diariamente, somos expostos a um volume de informação, ou conteúdo, e a uma quantidade de estímulos tal que acaba por influenciar a nossa capacidade de racionalização. Se prestarmos um pouco mais de atenção, reparamos que a nossa atenção passou a ser uma mercadoria como qualquer outra, pela qual diferentes empresas, como a Meta ou a Google, entre outras, competem.

Seja pela AI ou pelas redes sociais, sabemos que os nossos dados são recolhidos por diferentes empresas. Sabemos, também, que, muitas vezes, os nossos dados foram usados sem o nosso consentimento e comercializados.

Mais do que informação, as empresas querem a nossa atenção. Ao vivermos na era da superabundância de informação, em que cada um também pode ser criador, não importa tanto o que se cria, mas o que se consome e o que nos faz fixar em algo.

Se, antes, o acesso à informação, que se caraterizava pela sua escassez, era essencial, hoje é a atenção. A informação passou a ser um bem quase infinito, já que cada pessoa é uma produtora de conteúdos. Contudo, quanto mais expostos à informação, menos atenção dedicamos. Mesmo num vídeo de 60 segundos, já temos a tentação de o fazer avançar para saber o que vai acontecer realmente. Ler um livro grande torna-se numa tarefa árdua, porque não nos vai permitir ir já para outro. Por isso, o que nos prende a atenção passa a ser o que realmente tem valor.

Nesta economia da atenção, saber o que nos faz ficar vidrados num ecrã, como num vídeo que se inicia automaticamente se deixar o rato sobre o thumbnail, ou numa aplicação, é o que permite dominar mercados e gerar o tipo de dados que se tornam diferenciadores. E isto é feito de tal modo que há todo um ecossistema, desenhado e montado à nossa volta, que nos faz imergir neste modelo de economia. Os algoritmos aprendem o que nós procuramos na internet, mas também identificam em que tipo de conteúdos passamos mais tempo.

Este comportamento que se pretende cada vez mais previsível, e que só é possível porque depende da nossa atenção e não de informações apenas, é o que as empresas pretendem. Não se trata somente de cliques, mas de conseguir perceber quando é que se faz o clique, quanto tempo se fica após o clique; mediante uma lista de reações ou caixas de comentários, perceber o que nos faz tornar mais irritados, felizes ou tristes.

Ao consumirmos conteúdos, também o conteúdo nos consome com cada scroll, swipe ou com o tempo que passamos nele. Toda a nossa atenção se torna num dado do qual se conseguem prever comportamentos.

Esta economia da atenção, contudo, não afeta apenas o que consumimos ou como consumimos os diferentes conteúdos. O modo como pensamos, nos relacionamos, votamos ou sentimos também é reflexo deste consumo. E isto tudo sem repararmos, sequer, que há uma competição voraz, mas silenciosa pela nossa atenção.

Este ecossistema, criado por este modelo económico centrado em torno da atenção, não é um fenómeno tecnológico, mas um espelho da sociedade que se está a construir ante os nossos olhos. Quanto mais tempo e atenção são dedicados às plataformas digitais, mais abdicamos da nossa autonomia. Não por acaso, a fragmentação que nos tem caracterizado, nomeadamente pela perda de concentração ou pela crescente dificuldade em resolver problemas complexos, entre outros, é um espelho do modo como consumimos conteúdos fragmentados por múltiplas plataformas e canais.

Talvez seja tempo de pensarmos, não apenas sobre quem tem a nossa atenção, mas, sobretudo, sobre quem a oferecemos e em que moldes. Mais do que olhar distraidamente, o que precisamos é de estar conscientes de para onde queremos realmente olhar.

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