Uma das ideias mais comuns é a de que o mercado tem a capacidade de resolver todos os problemas. O mercado, enquanto ponto de encontro entre dois agentes, produtores e consumidores, seria o local onde todos os recursos seriam usados do modo mais racional possível. Um consumidor será racional ao ponto de procurar exaustivamente todas as possibilidades que lhe supra uma determinada necessidade e, por outro lado, um produtor procurará adaptar os preços da sua mercadoria em função de uma maior ou menor oferta.
Não por acaso, os liberais, defensores de uma economia de mercado, argumentam que o problema da habitação em Portugal seria resolvido mediante uma solução que envolvesse a total liberdade de mercado. Intervenção do Estado, alegam, é desvirtuar e distorcer o mercado.
Resolver o problema ambiental? É deixar o mercado a funcionar livremente. O mercado irá encontrar uma solução ótima para solucionar este problema. A ideia parece atrativa. Afinal, numa realidade na qual os agentes são racionais, isso significa que sempre irão encontrar a melhor solução.
A realidade, contudo, demonstra que não é bem assim que o mercado funciona. Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que as empresas têm como principal objetivo a criação de lucro. A sua função, no capitalismo, não é a de contribuir para uma sociedade melhor, mas para rentabilizar os capitais investidos.
Vejamos um exemplo. Em resultado da poluição provocada por uma economia dependente da exploração de combustíveis fósseis, nos anos 90 do século passado e início deste século, ficou claro que teríamos de fazer uma transição para um modelo baseado em energias renováveis e num menor impacto no planeta.
Sabendo deste impacto, o mercado não contribuiu (nem contribui) para corrigir este problema. Na verdade, já desde os anos 1960 que as empresas petrolíferas sabiam que a sua atividade contribuía negativamente para o meio ambiente. Em resultado, iniciaram uma campanha de descredibilização do aquecimento global e da poluição atmosférica.
Racionalmente seria de esperar que logo em 1960 o mercado contribuísse para a transição para uma sociedade menos dependente de combustíveis fósseis. Mas, em nome do lucro, as empresas, não só continuaram a sua atividade, como, também, fomentaram a desinformação entre os consumidores e agravaram o problema ambiental. Isto, porque era mais rendível o modelo anterior do que mudar para outro mais sustentável.
O mercado tende a ser ineficiente. Os produtores (empresas) têm interesses egoístas, focando-se em setores da economia mais lucrativos. Não por acaso se observam mais empresas no setor da saúde ou no setor tecnológico, entre outros, do que no setor social. E agora que vemos mais empresas na chamada «energia verde», isso deve-se a este setor estar mais lucrativo e ser subsidiado pelos diferentes Estados.
Adicionalmente, como resultado da rendibilização da sua atividade, as empresas tendem a eliminar a sua concorrência. Esta eliminação da concorrência pode ocorrer, porque a atividade de exploração deixou de ser rendível o suficiente por comparação com outras empresas, ou, porque essa empresa foi comprada por outra, criando oligopólios ou monopólios.
Vejamos outro exemplo: se formos a um qualquer supermercado, vamos encontrar centenas de marcas diferentes. Naturalmente pensamos que compramos pelo melhor preço e qualidade de produto possíveis, em virtude da concorrência entre as diferentes empresas. Contudo, se observarmos ainda mais cuidadosamente, vamos perceber que as centenas de marcas são, afinal, propriedade de apenas dez empresas, como a PepsiCo (ex.: Quaker, 7up ou Lays), Unilever (ex.: Lipton, Becel ou Olá) ou Coca-Cola (Sprite, Fanta ou Perrier).
Este cenário, oligopólio, contribui para uma desvirtuação do mercado. Primeiramente, como existem poucas empresas no mercado, podem ocorrer conluios entre elas para concertarem preços e, assim, maximizaram os seus lucros. Entre 2002 e 2013, mais de uma dezena de bancos em Portugal, como a CGD ou o BCP, partilham entre si informações de negócio, como o spread, lesando os clientes nos juros dos créditos.
O problema ambiental, como todos os outros que enfrentamos, não será resolvido pelo mercado. Muito menos pela tendência consequente de reduzirmos tudo a métricas que sejam transferíveis para a lógica de funcionamento do mercado, porque este mercado tende a não ser eficiente.
Os problemas que encaramos, alguns deles possivelmente existenciais, podem ser resolvidos quando deixar de predominar um sistema que incentiva o egoísmo e o lucro fácil, em detrimento de práticas mais sustentáveis e responsáveis. Evidentemente, para o problema ambiental, não é necessário reduzirmos o nosso padrão de vida ao nível dos cavernícolas, mas, claramente, não precisamos de uma economia que estimule a compra desenfreada de produtos de que não necessitamos.
Também não devemos usar a figura do mercado, normalmente visto como um ente exterior e por isso mais fácil de imputar culpas, para nos desresponsabilizarmos de agir.
Não precisamos de um D. Sebastião para nos salvar da impassividade ou da desgraça em que possamos estar. Os destinos da humanidade, os nossos destinos, estão ao alcance da nossa vontade de querer agir e tomar as rédeas da vida nas nossas mãos e, assim, conseguirmos salvar o planeta das alterações climáticas.