A Náusea de Jean-Paul Sartre

O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) publicou A Náusea, o seu primeiro romance, em 1938, altura em que se preparava a Segunda Guerra Mundial. Na época, o autor encontrava-se imbuído nas teorias fenomenológicas preconizadas pelo alemão Edmund Husserl (1859-1938), que privilegiava o ponto de vista do ser humano no estabelecimento da realidade. Foi profundamente influenciado pelas teorias de Martin Heidegger (1889-1976) e Karl Jaspers (1883-1969), que teorizaram sobre o vazio e a angústia da existência – questões cruciais na obra A Náusea.

Embora seja uma obra com uma grande dimensão filosófica, a escrita tem um estilo altamente poético que cativa o leitor logo na primeira página, através de uma subjectividade por vezes pungente e dramática. O romance prima por uma escrita muito visual e imagética.

O livro centra-se na vida de Antoine Roquentin – um solitário que se afasta da sociedade e, como tal, não se vê ao espelho nos outros. Esta personagem descreve com realismo cru a vida e os habitantes de uma cidade provinciana, explorando a fundo o absurdo da condição humana.

Segundo Sartre o homem é responsável por aquilo que é. A autonomia da liberdade, fundamental para a compreensão da teoria sartriana do “ser-para-si” (a consciência), permite que o homem crie os seus valores.

A metafísica existencialista de Sartre é uma forma radical de humanismo, em que o homem é dono do próprio destino e a sua existência é definida pelas suas acções.

A personagem principal, Antoine Roquentin, aparece logo no início da narrativa, como uma personagem introspectiva, por vezes “transtornada”, com medo das mudanças que estão por vir e que o próprio ainda não compreende. “Produziu-se pois uma mudança durante estas últimas semanas. Mas onde? É uma mudança que não se fixa em sítio nenhum. Fui eu que mudei? Se não fui, então foi este quarto, esta cidade, esta natureza.” (SATRE: 1969)

CP_anausea_2

O sujeito poético sente-se isolado em relação aos restantes habitantes que se submetem às normas burguesas. Roquentin considera que os outros não têm consciência da sua finitude e, como tal, vivem o quotidiano sem questionar. Deste modo, Sartre apresenta-nos uma personagem que coloca em causa o próprio sistema de referências em que está inserido.

Antoine é um homem solitário que construiu a sua solidão, de forma voluntária. Como vive sozinho, as suas histórias não são verosímeis, nem nítidas. Há, assim, uma relação entre a verosimilhança e os outros.

Embora Antoine queira convencer-se de que não precisa de terceiros para existir, não consegue validar a sua existência por estar demasiado mergulhado no seu exílio interior. “Quando se vive sozinho, deixa de se saber o que seja narrar: a verosimilhança desaparece ao mesmo tempo que os amigos. E os acontecimentos também: deixamo-los afundarem-se.” (SARTRE:1969)

Através de um niilismo exacerbado e de pensamentos com uma grande profundidade intelectual, A Náusea apresenta-nos um protagonista repelido pelas próprias contestações que faz sobre a existência.

A consciência da contingência e o sentir-se existir advêm do pensamento. À medida que se pensa, sente-se existir. Essa consciência permanente e incessante é algo intolerável para Roquentin e torna-se ainda pior, quando ele constata que a única forma para fugir à existência é fugir ao pensamento. Porém, aí estamos perante um paradoxo. Como é possível fugir ao pensamento, se a necessidade de fuga – é em si mesma – um pensamento, que, como qualquer outro, nos reconduz à existência?

Estamos presos, portanto, à existência, pois o caminho do pensamento e a chegada ao sentimento de existir são indivisíveis. Assim, o nome da obra, A Náusea, faz todo o sentido, pois quem é que suporta estar perfeitamente consciente da sua própria prisão interior sem sentir-se minimamente nauseado?

CP_anausea_1

Esta obra versa essencialmente o absurdo da vida humana. Este historiador depara-se com pensamentos sobre a sua vida que são transversais a todos os comuns mortais. E é isso que torna A Náusea uma obra incontornável.

O livro faz-nos percepcionar a existência de um modo absolutamente racional, sem paninhos quentes, até porque o papel da (boa) literatura não é dar-nos uma ‘pancadinha nas costas’, mas sim, fazer com que nós nos encaremos a frio, para que percebamos a nossa finitude. Antoine figura, assim, como um homem moderno que está em constante auto-análise e que é assaltado por pensamentos recorrentes que o fazem perceber como custa existir, como é, por vezes, doloroso estar 24 sob 24 horas preso a si próprio.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Star Wars Episódio I – A Ameaça Fantasma

Next Post

Cristiano Ronaldo – Espírito de Guerreiro

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

Os filhos dos outros

Como seguir em frente, quando um relacionamento amoroso chega ao fim? E se criamos laços afectivos com uma…

Escrever dá cadeia!

Aqui há algum tempo, fiquei a admirar um quadro incrível e sanguinário e saltou ao meu pensamento: o que é que o…

Ele decidiu voar

Ele decidiu voar. Fechou os olhos e deixou-se ser o próprio vento. Abriu os braços até se fazerem asas. Soltou…