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Blanco

Ou em português branco. A cor que não é cor alguma, sendo a cor que ao mesmo tempo pode ser qualquer uma. Em espanhol blanco. Respeita-se, assim, as origens galegas, a ordem genealógica, de que brotou a Rita, que agarra a si o sobrenome que representa uma aura especial. A mesma Rita que procura na sua arte, a de representar, algo que vá directo ao assunto, inteligível para os que a vêem.

Os seus primeiros anos de vida começaram por pintar uma carreira qualquer, que se fora definindo à medida que Rita explorava todos os estímulos que lhe eram dados. Curiosa, entregava-se ao que não era expectável para uma criança da sua idade. Lia, corajosamente, Xenofonte, filósofo e historiador grego, empurrada pelo seu pai. A política passava a ser um tema natural à mesa, um tema natural para Rita e, da mãe, soube beber que ser de um partido de esquerda era não ter de suportar o sofrimento dos outros.

Rita não se perdeu no caminho que trilhava, pese embora as cores infindáveis que se atravessavam diante de si. Cores essas que apareciam no seu mundo, como se o pudéssemos fazer passar para um quadro. Seria, ele, uma representação, também, do seu quotidiano – trancada no quarto, acompanhada dos livros que avidamente devorava. Numa solidão inexistente, os seus estudos foram um complemento determinante para o que é hoje, bem como a envolvente familiar. Esteve no Liceu Francês até arriscar a pele no Conservatório. Ali, era quase uma inevitabilidade certa que, naquela miúda de dezoito anos, iria emergir todos aqueles anos de saber.

Blanco_1É muitas vezes de contrastes engraçados, esta Rita, como uma paleta que mistura cores quentes e frias. Toda a bagagem que trazia, de conhecimento adquirido, fazia com que achasse que não tinha jeito para nada, palpitando a sensação de que ser actriz era uma mera, quase remota, possibilidade. Concretizada, plenamente, quando, aos vinte, se estreia em cinema, que se pontuará igualmente como cor dominante na sua vida. Le Circle des Passions trouxe-lhe algum reconhecimento, o encontro com um dos homens mais incontornáveis da sua vida – João Canijo – e um monte de notas. ‘‘Ganhei tanto dinheiro naquele filme que, quando me pagaram em mão, perguntei se era tudo para mim’’.

O mote estava dado. A partir daquele instante, Rita deixava o branco para ser de todas as cores. Jorge Silva Melo foi o seu primeiro pintor na sétima arte, mas Rita foi também elemento nuclear para João César Monteiro, João Botelho, Teresa Villaverde, João Mário Grilo ou, inevitavelmente, João Canijo. Com este último, somou participações marcantes em filmes, desde que o realizador se iniciara na direcção, com Três Menos Eu (1988), mas também anos de vida em comum, numa rara comunhão perfeita. Depois, ficaram as raízes e os laços. Os suficientes para manter acesa uma indubitável admiração mútua e um trajecto a dois na representação, que valeu a Rita êxitos como Ganhar a Vida (2001), Noite Escura (2004) ou o ainda aclamado Sangue do Meu Sangue (2011).

A ligação entre a realização e o corpo de actores toma proporções, neste último filme, de círculos de entendimento absoluto. ‘‘Foi um filme construído durante bastante tempo e talvez por isso, seja o filme do Canijo mais perfeito. Foi também aquele em que senti que podia ir mais longe enquanto actriz porque gosto do pormenor. E era uma história muito verdadeira. Foi muito gratificante’’, disse Rita sobre o filme que não foge da verdade da história que representa, algo que considera fundamental num argumento, essencial para a transparência do sentimento. Como o da solidão claustrofóbica a que assiste em Amour (2012), de Michael Haneke, que é, contudo, uma história na qual pontua a sua personagem em três cenas apenas. Mais um trabalho ‘‘exaustivo’’, ainda que curto, sob o rigor incorrigível do realizador austríaco. Mais uma cor, em versão cinzenta, para Rita que existia naquele cenário para ‘‘mostrar que havia um mundo lá fora’’, para lá das densíssimas histórias dos dois protagonistas, em especial a da Emmanuelle Riva, de 85 anos, que esteve em concurso para o Óscar de melhor actriz, ‘‘que seria muito merecido’’.

Óscares para Rita, de quem os amigos só têm elogios a fazer. Catarina Furtado adjectiva-a de leal e desconcertante. Maria João Luís apelida-a de divertida e inteligente. Enérgica e corrosiva, a actriz não é de trato fácil à partida. Com a apresentadora, com quem trabalhou num programa de televisão, Caça ao Tesouro (1995), ambas manifestaram ter havido mal-estar, inclusivamente em directo. Quase duas décadas depois, ambas relembram esses tempos como mal-entendidos naturais entre quem se relaciona com Rita, tão mordaz como carente, tão livre como enraizada.

Porventura, serão as raízes que a prendem ao seu país, à sua língua. As portas para trabalho, fora de Portugal, nunca estiveram efectivamente trancadas. Entre o piscar de olhos a Éric Rohmer, figura do cinema francês, aos sonhos com Michelangelo Antonioni, marca da sétima arte italiana, Rita acabou sempre empurrada para o chão gaulês, ora pelo sisudo Haneke, como também por Rúben Alves, reconhecido pelo A Gaiola Dourada (2013), no qual entregou o protagonismo à Blanco, ‘‘uma das maiores actrizes portuguesas’’, para uma Maria porteira. Um filme despretensioso, ‘‘de linha ténue e não vulgar entre a comoção e a comédia’’, segundo ela. Inevitável o sucesso. Parece carimbo, dos que não se diluem, o sucesso, desde que Rita lá esteja. É ver cinematógrafos felizes por a terem. É ver Rita perfeitamente encantada por estar nos projectos. E é ver salas cheias de arrebatamento por tais desempenhos.

Rita colorida em telas e em palcos, raramente vista, nos últimos tempos, pela televisão, que acabou por enjeitar sempre que pôde e até admitir que só servia para fazer, pontualmente, por dinheiro. Não são de esquecer, porém, motivos inesquecíveis como Médico de Família (1997), Noites da Má Língua (1994) ou Conta-me Como Foi (2007). O orgulho de estar nos três adveio da força do projecto. A mesma que fez com que aceitasse ‘‘pela primeira vez sem ser obrigada’’ o protagonismo na novela Sol de Inverno (2013), agora no ar da SIC. O incessante ritmo televisivo sempre a nauseou e quase sempre norteou as suas escolhas por caminhos paralelos.

Caminhos para os quais trabalhou desde cedo, mesmo quando ficava fechada a um canto, no seu quarto, a consumir todo o conhecimento que podia. O francês fluente foi-lhe concedido pela rotina do Liceu, o italiano na ponta da língua, pela frequência do Instituto, sempre em tons fortes e antagonistas, próprios de uma Rita tão determinada como questionadora. Toda a sua bagagem toldou-lhe o futuro, escancarou-lhe a janela do mundo, mas Rita foi ficando. Mesmo quando, na sua versão polémica, reinvindicou o facto do Governo de Pedro Passos Coelho não ter ministério para a Cultura, ou a incredulidade por saber que Francisco José Viegas fora nomeado Secretário de Estado da tutela, ‘‘o pior que poderia haver’’. Mesmo quando vislumbrou um futuro de cor negra para o cinema, afirmando mesmo que este ‘‘ia acabar’’.  Mesmo quando pensou que o seu País se tornaria uma anedota, se ficasse sem cultura e sem artistas. Rita foi ficando. Claro que, também,  para ser parte integrante da cultura, que em lado algum morre. Claro que, também, por amor à sua pátria, à sua língua, aos seus poetas. Claro que, também, pelo seu público. E claro que, também, pelo seu apêndice inseparável, a filha, Alice. Rita foi ficando. E de Blanco, sempre haverá cor.

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