Livros Bons, Livros Maus? A dualidade e o olhar do leitor

“Não existem livros morais ou imorais”. Os livros são bem ou mal escritos. É Tudo”

in Prefácio do Livro O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, publicado em 1890

O escritor Oscar Wilde defendia a ideia da arte pela arte, a qual não deve ser julgada por critérios morais, mas sim pela sua qualidade literária e estética. A eterna questão de existirem livros bons e livros maus coloca-se como sendo tão antiga quanto a existência da própria literatura.

Algumas opiniões apontam para uma questão de gosto, outros defendem critérios técnicos e, por último, ainda há quem se pugne pela influência cultural, social e emocional de cada leitura.
Na verdade, a discussão sobre o valor de um livro é sempre questionável, é quase uma viagem que passa pela perceção individual e pelo contexto em que cada leitor se encontra.

Para alguns, livros considerados maus não passam de construções de narrativas frágeis, incapazes de oferecer profundidade nas temáticas e pecam igualmente pela falta de estímulo intelectual. São páginas intermináveis de papel reciclado que nada acrescentam, por vezes, rotulados como “lixo literário” por críticas mais acutilantes.

Mesmo os livros considerados despretensiosos e tantas vezes descartados, encontram sempre o seu público-alvo. É precisamente neste aspeto que reside a grande ironia: o que para uns é fútil, para outros pode ser um incentivo a uma transformação interior, um sopro de vida ou um pretexto para uma fuga necessária.

A pergunta que se impõe é: o que faz um livro ser bom ou mau? É a técnica narrativa? É a profundidade das personagens? O uso inteligente da linguagem? Ou será a capacidade de emocionar e impactar alguém, ainda que seja de forma tímida, transformando uma hora de leitura num momento inesquecível? Ora, os livros são como espelhos: refletem os leitores e, muitas vezes, devolvem-nos ao mundo de forma mais consciente, criando um momento de entretenimento sem pretensão.

O que para uns é uma obra-prima, para outros é um desperdício de tinta e de tempo. E vice-versa. Não há livros que agradem a todos os leitores, mas também não existem autores que escapem a críticas muitas vezes implacáveis.

A literatura, contrariamente à matemática, não é uma ciência exata. Cada leitor, pelo seu percurso e vivências culturais, lê e analisa um livro com alma e olhar diferentes. É por isso que cada leitura é única.
Cada livro, cada história tem o seu próprio lugar no mundo, e cada leitor tem o direito de encontrar nas páginas, seja conhecimento, evasão, seja apenas companhia para um momento de solidão. É preciso saber estar com os livros, receber informação, analisar e fazer o seu próprio juízo de valor.

Um texto pode ser tecnicamente perfeito e, ainda assim, deixar o leitor indiferente; ou pode ser caótico, mal escrito e, curiosamente, encontrar consenso num público que está sedento de emoções.
A nossa bagagem cultural, as experiências de vida e o estado emocional que vivemos interferem muito na forma como se lê – um livro não se esgota na técnica ou na estética, consegue abrir espaço para uma grande subjetividade.

Grandes obras escritas no passado, que foram censuradas e tidas como “maus exemplos”, como, por exemplo, a “Madame Bovary” de Gustave Flaubert, provocadora para o seu tempo, acabou por se tornar um marco inquestionável e uma obra-prima lida até hoje.
Seriam então maus livros que se tornaram bons livros? Ou será que os sinais do tempo lhes trouxeram uma nova geração de leitores, capazes de ler e assimilar estes livros com outros olhos?

Esta questão ganha maior profundidade de pensamento quando vemos o leitor como alguém único, que sabe o quer e procura na maioria das vezes num livro que pode fazer sorrir, fazer chorar, sonhar e, acima de tudo, transformar a vida de alguém de forma muito positiva.

Isso já aconteceu comigo em livros que, inicialmente oferecem-me um propósito de alargar horizonte, suscitar ideias, convidar ao pensamento crítico, mas no final o melhor resultado ou experiência foi sentir que aquelas palavras, ou trechos de frases impactaram na minha vida, na forma de estar e de encarar determinados acontecimentos. Neste caso, considero que o livro já contribuiu e muito para o seu papel pedagógico de ensinar, bem como de um encontro com a realidade ou ficção se tratasse.

O valor de um livro é sempre uma questão de perspetiva, uma dualidade de perceções entre quem escreve e quem lê um determinado texto ou obra.

Se existem livros bons ou livros maus, voltamos sempre ao ponto de partida, quando pensamos se a literatura tem a capacidade de nos questionar, de nos transformar enquanto pessoas, para além de qualquer rótulo ou juízo pré-concebido.

É nossa responsabilidade a opção que tomarmos de qualquer livro, como instrumento de cultura e de transformação social na nossa sociedade.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico.

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