Instantâneos

Quem não é usuário e costumeiro dos nossos inauditos transportes públicos, não sabe o que perde. Há mil aventuras que se desenrolam perante todos os lados que circundam os ditos passageiros. Basta estar de olhos abertos e de coração com espaço, que a vida acontece a cores, com cheiros e ainda muito mais.

Contudo as variantes servem para confirmar a regra. Ou é o motorista que não pode percorrer o circuito, uma vez que os condutores deixam os seus carros parqueados conforme lhes dá na gana, vou lixar os outros e fica aqui só para me dar gozo, ou são os passageiros, que fofos e afoitos, sabem fazer tudo. Com eles seria bem diferente, só que não.

Cada um representa uma vida e está revestida de roupas, cabelos e outros adereços que nem sempre permitem descortinar a sua origem. Que bom! Serve para especular, o que aqui entre nós, é prato servido com todos os tipos de acompanhamento. Quem não sabe inventa e nascem assim os boatos e os outros piores, os mal-entendidos.

Uma senhora dirigia-se à motorista como se tivesse confiança com ela. Abomino este tipo de postura, do tu cheio de manias, só porque sim. A idade não é um posto, mas devia dar um pouco de bom senso. Nem isso. A rapariga, uma jovem inexperiente, tomou as suas tão naturais cautelas. Certamente que recebeu as devidas instruções e segue-as à risca. Faz ela muito bem.

Levanto-me e tento acalmá-la. Está uma pilha de nervos. Vai respirando, tal e qual um parto que se afigura um pouco difícil, como lhe disse e, rapidamente recupera a sua postura. Segue e arrisca e a viagem avança sem qualquer tipo de percalço. Estou ao seu lado. É ainda uma menina e tem muito que aprender.

Uma criança saltita, comum e desejável nestas idades, sem que a mãe se aperceba. Está ao telefone e escuto a sua conversa. Faz pela vida. Vai emigrar, mais uma vez, levando a criança para aprender outra língua e cultura. Pego na mão da gaiata. Tem uns óculos de fundo de garrafa. Fica admirada, mas se não fosse a minha mão, se não a tivesse parado, a linha do comboio era o terminal. A mãe agradece-me com mil justificações. Tranquilo. Deve ser mais uma vítima dos que sabem fazer tudo. Ser infantil é ser inconsciente.

Dou instruções para quem, mas pede e sou eu que me perco. Entro no comboio errado e sinto que mergulhei num outro universo. Tudo está de pernas para o ar, ou seja, desastre atrás de desastre que se transforma em catástrofe. Se tudo fosse regular não seria comigo. Disso tenho a certeza. Há que retirar todos os ensinamentos. Mais voltas e voltas até se chegar ao quadrado. Será suficiente ou o losango é melhor?

Quando se espera que algo aconteça de uma certa forma, tudo parece suceder ao contrário. A vida é uma peça de teatro sem guião rígido ou delineado para imprevistos. Que seria de todos se o improviso não soubesse surgir nas alturas certas? Se não for desta será da outra, mas atirar a toalha ao chão é que não está com coisa nenhuma.

Estava tudo controlado, exactamente como se pensa da vida. Dá vontade de rir. Que mania que temos de ser infalíveis. Supostamente. Mas a verdade é que falhamos todos os dias, a toda a hora e com grande estilo. Se é para cair que seja em grande e com luzes que façam suar e soar. A vida pode ser uma porra do caraças, mas tem alegria para se gozar. Viva o momento!

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