Desenvolvimento ou progresso são palavras frequentemente usadas indiscriminadamente. Utilizam-se para contextos tão diversos como: progredir socialmente, desenvolver uma campanha publicitária ou, ainda, desenvolvimento económico. Aparentemente trata-se de conceitos neutros que pretendem exprimir uma passagem a um estado superior.
Na vertente que procuro explorar, a sua origem pode ser traçada até ao darwinismo social, no qual assistimos a uma escala evolutiva aplicada aos povos, dividindo-os consoante a sua “sofisticação”. Claro está que, nascendo no seio da Europa colonialista, a sua visão de mundo assentou numa escala que colocou os povos “primitivos” numa ponta e, na outra, a grande “civilização” europeia. Não é por acaso que a antropologia tanto se interessou por estes povos durante a ocupação colonial. A sua missão passava por descobrir o caminho que conduziu os primitivos homens da idade da pedra à alta civilização europeia.
Com o tempo, a ciência que por excelência procurava o elo perdido entre povos arcaicos e avançados propôs que não existem culturas avançadas ou atrasadas, mas diferentes percursos trilhados por povos diferentes e em contextos diferentes. A este relativismo cultural, contudo, ainda persistiram algumas noções da antiga visão de mundo que justificou a colonização, tendo em vista a sua “educação” e “progresso”.
Poder-se-ia pensar que, felizmente, esta visão tivesse sido ultrapassada. Veja-se como, graficamente, projetamos o mundo: Europa ao centro. Alguém poderá dizer que será uma coincidência ou preferências. Mas se olharmos para a forma como na China é projetado o planisfério, vemos ser o continente asiático quem está ao centro. Há uma escolha deliberada em definir quem é central.
Se na escolha como se projeta o planisfério é aceite que advenha de uma questão de gosto, avançando um pouco mais, descobrimos um resquício deste pensamento do século XIX que ainda cataloga os países. Dividimos os países em: desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Cada uma destas imagens projeta uma imagem à nossa mente. Nesta escala encontramos (coincidentemente?) os países ocidentais – Europa e América do Norte – no grupo de países desenvolvidos e, maioritariamente, os países subdesenvolvidos em África. Os países em desenvolvimento são economias como China ou Rússia.
A ideia de desenvolvimento procura transplantar a visão, comportamentos e valores ocidentais ao resto do mundo. Daí derivam os piores problemas, tal como se vê pela instabilidade política e social. Mais do que procurar saber quem está certo, se um prestigiado biólogo ou um aborígene acerca dos comportamentos das aves, é o julgamento que cataloga de arcaico quem seguiu por um caminho diferente. Como no caso do selvagem no Admirável Novo Mundo que ao descobrir a miserável vida que levavam os tão desenvolvidos habitantes do mundo civilizado, decide isolar-se, simbolicamente, num velho farol.
Até que ponto poderemos falar em desenvolvimento? Poderão dizer que a cultura ocidental trouxe algum progresso com os avanços da ciência. É verdade, mas os benefícios ficam por aí. Modelos políticos de matriz europeia não trazem paz social dentro de fronteiras desenhadas em gabinetes a milhares de quilómetros, como quem fatia um bolo; o modelo económico de matriz ocidental procura harmonizar as trocas comerciais que beneficiam multinacionais e oligarcas locais, mas condena à pobreza a sua população local.
E mesmo os benefícios das descobertas científicas não chegam para todos os povos. Descobriu-se recentemente uma variante da COVID-19 que poderia ser evitada se mais países partilhassem vacinas, colocando em prática os valores da solidariedade que tanto nos orgulham em proclamar.
A ideia de desenvolvimento e progresso que tanto usamos para nos comparar com outros países, oculta a verdadeira hierarquia de poderes que se mantém quase inalterada desde o século XIX e que sempre beneficiou e prejudicou os mesmos.