Nasceu em Maio de 2012 e era Primavera. Provavelmente, houve asas a bater perante o carinho deste coração cheio. Amour, de Michael Haneke, conta-nos a história de um amor que se descobre de novo, numa terceira idade que é quarta, ou quinta. É uma dimensão que embala o amor de uma vida inteira, numa tela cheia, durante 127 minutos. Foi Palma de Ouro em Cannes, Melhor Realização, Melhor Actriz e Melhor Actor nos Prémios do Cinema Europeu e Melhor Filme Estrangeiro nos Globos de Ouro. Fora das competições oficiais, é provável que se encontre no pódio de muitos espectadores e são muitas as razões para isso.
No acidente vascular cerebral que paralisa Anne, Georges encontra carinho e amor para lhe dar. Dentro dessa dimensão de dor, a partilha de emoções é forte e agarra o espectador durante o filme, pela forma simples e intensa da exteriorização dos afectos. Os planos são demorados na vida de cada personagem e exploram minuciosamente o seu perfil. Há cenas com mais de vinte segundos que incorporam sensações e convidam o espectador a partilhar cada segundo dessa vida. Próximo da história, mergulha-se na narrativa da mesma forma como se vive o sofrimento de Anne e a disputa de Georges.
A princípio, o medo que consome Anne resulta numa espécie de luta, minimizando os danos daquilo que lhe aconteceu. À medida que o tempo passa, há um peso que ela carrega e não consegue suportar mais. Para lá dos pormenores dos risos que partilham e das histórias que Georges lhe conta pela primeira vez, a cadência dos momentos sóbrios diminui. Entre as visitas da filha, as discussões com a enfermeira e a preocupação dos vizinhos, viaja-se ao passado nas fotografias antigas dos álbuns de família. Ao mesmo tempo, é fácil reunirmos várias questões sobre a impossibilidade de realizar certos movimentos, quando a consciência ainda existe. É nessa embriaguez de ideias que Anne se envolve, num paralelo entre o som forte do piano, que a prende e lhe transmite nostalgia, e a liberdade da pomba, que entra duas vezes na sua casa, no centro de Paris.
Entre o desejo de desaparecer, Anne consome-se pela sua condição. É neste impacto de dor que a delicadeza da eutanásia se propõe, como forma de terminus ao sofrimento. Porém, se é Georges que a empurra para o lado positivo da vida, também é ele que acaba por aceitar a ideia de a conduzir ao estado final e a conserva, numa espécie de metáfora que é feita na cena inicial e se prolonga, até ser totalmente interpretada. O quarto selado representa essa ideia de memória e a casa onde viviam torna-se vazia, interrompida pelos corredores organizados e a luz do sol, que entra e percorre todos os espaços. Entre o óleo que desenha as paisagens idílicas dos quadros, nos últimos minutos do filme, e o aprisionamento da pomba, Amour está carregado de pormenores sobre os corações cheios e os anos infinitos da estima. O amor é definido, aprisionado e libertado, para se prestar numa das mais bonitas e simples homenagens dos últimos tempos.
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