A importância de ouvir a tristeza
A manhã desabou, liquefeita, sobre a terra seca de uma semana quente. A primavera recente fez-se inverno, não no frio, mas no caudal que encheu buracos de estrada, entupiu caleiras, fechou janelas onde já secavam as roupas de verão. Com a chuva voltou a cair uma certa melancolia que os poucos dias de sol mal tinham arejado. Sentou-se à mesa do pequeno-almoço, silenciosa, sem pedir licença. Presença quase humana. Olhei-a de viés, apesar de ter ficado mais leve desde que deixei de tentar empurrá-la para fora de mim.
A tristeza quase nos envergonha. Vivemos numa sociedade obcecada pela exigência de ser feliz, onde a tristeza não tem espaço. Exalta-se a felicidade constante, um culto da alegria que subvaloriza o tempo de paragem que nos devemos. O ritmo desenfreado do quotidiano não nos permite pensar muito. No trabalho, exige-se produtividade; nas festas, alegria; no convívio geral, respostas rápidas. Aquele que se declara triste é excluído por fracassar na busca do sucesso e bem-estar plenos. Culpado por não esconder momentos de emoções negativas. Mas há sempre uma manhã chuvosa ou uma tarde soalheira em que sentimos a falta de alguém que perdemos, de um lugar onde fomos felizes. É a tristeza a exigir uma pausa no ruído do dia-a-dia.
Talvez esta emoção silenciosa nos ensine mais do que queremos admitir. Aos poucos, a ciência começa a reconhecê-lo. Sendo uma das seis emoções básicas, é tradicionalmente definida como uma das quatro negativas. Na cultura ocidental, é considerada desnecessária e indesejável. No entanto, a neurociência tem vindo a desconstruir esta ideia. Segundo Frijda (1986) e Forgas (2007), há aspetos benéficos da tristeza na cognição social e em comportamentos interpessoais estratégicos do quotidiano. Mecanismo de alerta, induz o indivíduo a identificar e procurar soluções, levando-o a observar mais detalhadamente os factos e os seus pensamentos. Moderada, tem consequências cognitivas e sociais adaptativas. Permite melhor desempenho da memória, menor propensão a erros de julgamento, entre outros. Ao ser ignorada, pode aflorar de forma mais intensa, originando angústia, ansiedade e depressão, distúrbios cada vez mais prevalentes na atualidade.
Não dar tempo à tristeza, aparentar que tudo é perfeito, leva a comportamentos artificiais. Esquecemo-nos de que a dor e a tristeza são naturais, fazem parte da vida, não é errado sentirmo-nos tristes. É vital, de vez em quando, ouvirmo-nos em silêncio. Perceber o que vamos perdendo, aquilo de que precisamos e como continuar. A tristeza é sábia.
A reflexão sobre as nossas vivências que estes momentos trazem também nos abre ao outro. É como se aqueles que conhecem bem a tristeza se descubram numa delicadeza apurada. Cria-se uma certa aproximação, diria mesmo cumplicidade. Olha-se o outro com mais compaixão, compreendendo melhor sentimentos escondidos atrás de sorrisos ensaiados e interações superficiais.
Não acredito que devamos temer a tristeza. Em doses equilibradas, ela não nos destrói. Ajuda-nos a curar dores e a encarar a alegria com mais serenidade.
Os nossos sentimentos definem, em grande parte, quem somos e o que fazemos.
Às vezes, apetece mesmo deixarmo-nos envolver pela visita da tristeza, sentarmo-nos com ela à mesa, mergulhando em memórias doces e amargas. Sairemos mais fortes para cuidarmos de nós e dos outros.
Todos os homens talentosos já foram melancólicos.
Aristóteles
Nota: Este artigo foi escrito segundo o novo acordo ortográgico.
Olharmos para nós numa compaixão balanceada, eis o que nos equilibra por dentro e por fora.
Os nossos pensamentos são como sementes; consoante os nossos pensamentos, assim serão as nossas atitudes e comportamentos. Todos nos fazem falta, todos nos trazem lições.
Texto muito actual e que nos toca a todos. A procura da felicidade constante não deve ser o nosso objectivo. Os momentos de reflexão de
silêncio e isolamento também nos trazem momentos felizes.
Parabéns!
Muito bonito