Entre Likes e silêncios: o que é, afinal, uma boa vida?

Vivemos cercados de medições. Contamos passos, calorias, minutos de sono, curtidas, visualizações. Tudo pode ser quantificado — e, ao que parece, tudo deve ser. Mas há uma medida que escapa a todos os gráficos: a da boa vida.

O mundo corre depressa. Acordamos já atrasados, com a sensação de que o tempo escorre antes mesmo de abrirmos os olhos. As redes sociais nos lembram, sem descanso, que há sempre alguém produzindo, viajando, sorrindo, rendendo mais. Vivemos num eterno comparativo: o outro como régua, a performance como destino. E, ainda assim, algo dentro de nós sussurra uma pergunta incômoda — será que estamos vivendo bem?

A noção de qualidade de vida tornou-se um produto. É vendida em pacotes de “bem-estar”, em retiros de silêncio temporário, em aplicativos que prometem equilíbrio com notificações a cada hora. E, paradoxalmente, quanto mais tentamos medir a nossa felicidade, mais nos afastamos dela.

A filósofa e escritora coreana Byung-Chul Han, em A Sociedade do Cansaço, descreve esse tempo como o da exaustão disfarçada de liberdade: vivemos sob a tirania do desempenho. Já não precisamos de um chefe que nos cobre — nós mesmos nos cobramos, incessantemente. O excesso de positividade, diz Han, transforma o sujeito em empresário de si mesmo: um ser que se explora até o esgotamento, acreditando que é autossuficiente.

Mas a boa vida não cabe nessa lógica. Ela se recusa a ser produtividade, ranking ou resultado.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores em que vive, em relação aos seus objetivos, expectativas e preocupações”. É uma definição sutil — e por isso mesmo poderosa. Porque desloca o foco do ter para o ser. A boa vida não se mede em padrões universais; ela é íntima, subjetiva, relacional.

O Estudo de Harvard sobre Desenvolvimento Adulto, uma das pesquisas mais longas já realizadas sobre felicidade, acompanhou gerações de pessoas por mais de 80 anos. A conclusão foi simples e desarmante: a qualidade das nossas relações é o fator mais determinante do bem-estar ao longo da vida. Nem dinheiro, nem sucesso, nem fama. O que nos sustenta são os vínculos significativos — os laços que nos lembram que pertencemos a algo maior do que o próprio ego.

Mas se sabemos disso, por que é tão difícil viver de acordo?

Talvez porque tenhamos esquecido o valor da presença.

Vivemos distraídos — não só pelo telefone, mas pela mente que nunca para. O filósofo Viktor Frankl, sobrevivente dos campos de concentração e autor de O Homem Em Busca de um Sentido, dizia que “a felicidade não pode ser perseguida; ela deve acontecer”. O mesmo vale para a boa vida: ela não é um alvo, mas um modo de estar. Surge quando aceitamos o ritmo do real — com suas pausas, incertezas e vazios.

E talvez seja justamente aí que mora o bem-estar: na capacidade de respirar dentro do instante, sem transformá-lo em performance.

Pode parecer pouco — mas é raro.

A boa vida não é a que elimina o sofrimento, mas a que o compreende como parte do caminho. Não é a que exibe plenitude constante, mas a que encontra significado mesmo nas horas opacas. É o que o poeta Rilke chamaria de “viver as perguntas” — permitir-se não saber, e ainda assim seguir.

Talvez o verdadeiro luxo, neste tempo de correria e exposição, seja poder viver devagar, poder escutar-se, poder não mostrar.

Talvez a boa vida seja essa: uma vida em que, ao fim do dia, mesmo cansados, sentimos que estivemos presentes — realmente presentes — em nós mesmos e nos outros.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Português do Brasil.

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