Se os Animais Falassem

Imaginemos que estamos numa sociedade normal, com os princípios morais e cívicos despertos e diligentes:

Quando uma criança estraga um brinquedo, chama-se a atenção com o discurso, por norma, capitalista e exemplificativo de umas outras crianças, geralmente pobres, que não têm nada para brincar.

Quando uma criança não quer comer porque não gosta da refeição, o mesmo discurso exemplificativo emerge com outras crianças desfavorecidas.

Quando uma criança faz birras por um capricho totalmente dispensável, conversa-se e explica-se ao petiz que está errado porque os “nãos” fazem parte da vida.

Quando uma criança faz asneiras típicas da idade, educa-se da melhor forma que se pode e consegue.

Quando uma criança pede atenção, dá-se-lhe a atenção devida e necessária.

Quando a criança quer brincar, brinca-se.

Até aqui, está tudo bem. O quadro está dentro do que é aceitável e correcto, nada a apontar embora podendo, como é evidente, alterar e/ou melhorar um ponto ou outro apesar da linha de raciocínio ser esta para escoltar.

As crianças educam-se sem, sequer, pondo em causa qualquer hipótese ou possibilidade de maus tratos e/ou abandono. Repito: num contexto dito normal e correcto da sociedade de hoje.

E os animais?

Relativamente aos animais, o caso muda de figura. Figura, diga-se, vergonhosamente triste.

Se os animais falassem provavelmente os números dos dados estatísticos do SEPNA, do ano 2016, não testemunhariam nem bradavam aos céus os números hediondos e completamente primitivos:

Se os animais falassem, a violência contra estes não seria tão enormemente assustador e visível.

Se os animais falassem, não teriam de se sujeitar a maus tratos do dono que este, com toda a certeza, sofrerá de algum complexo de inferioridade e, desprezivelmente, mal trata o animal para, de alguma forma, se enaltecer.

Se os animais falassem, à primeira oportunidade fariam queixa às entidades competentes.

Se os animais falassem, podiam lamuriar-se e, em perfeito estado de direito, lamentar-se à sociedade.

Se os animais falassem, podiam apontar o dedo e dizer bem alto que aquele sujeito não é bom dono! É mau! É má rês! É um verme infame!

Se os animais falassem, provavelmente, tudo seria diferente.

No entanto, e lamentavelmente, eles estão única e exclusivamente a mercê do Homem no que a isto diz respeito.

O Homem, ser indigno e desmerecedor de qualquer sentimento que algum animal poderá nutrir por ele, menospreza o dever e o privilégio que a natureza lhe concedeu – ou não -, age de forma selvagem e paleolítica. Mostra-se desprovido de qualquer carácter revelando ao mundo o parasita que é.

De facto, é fácil abandonar um cão na rua, porque pura e simplesmente é velho, ou dá trabalho, ou é irrequieto ou hiperactivo. É fácil bater barbaramente num animal quando este não obedece. É extremamente fácil desprezar, desrespeitar e pisar no âmago do animal. É fácil vomitar-lhe na essência e cuspir-lhe na alma. É fácil trair. É fácil ser desleal e quebrar a promessa que se fez com os dedos cruzados. É fácil olhar para o lado e assobiar para o ar quando um animal abandonado e mal tratado passa deixando um rasto de tristeza, medo, angústia, amargura e tormento.

É fácil.

Se os animais falassem, sangravam a descrever tamanha crueldade a que são sujeitos.

Se os animais falassem, decerto, perdoariam o Homem se este lhes pedisse absolvição.

Felizmente e a par com este flagelo, no dia 1 de Março do ano corrente, saiu a Lei nº 8/2017 que faz referência aos deveres dos proprietários. A nova lei esclarece que há agora

um estatuto jurídico dos animais, reconhecendo a sua natureza de seres vivos dotados de sensibilidade.

Quem não respeitar pode pagar multas pesadas (até 120 dias) ou ir preso (até 1 ano). A Lei abrange, também, em caso de se infligir dor, sofrimento injustificado, abandono ou morte.

Já há muito que o eram, no entanto, apenas desde do dia 1 de Março de 2017, os animais de estimação passaram a ser, oficialmente, “seres sencientes”. Faltam os restantes animais. Os outros, os selvagens. Até lá, caminhamos lentamente pela estrada direita e justa.

Já para o ano 2018, a Lei 27/2016 entrará em vigor no que diz respeito ao abate dos animais nos canis e gatis municipais. Esta medida visa defender os animais que, por maldade humana ou descuido – quase – intolerável, vivem abandonados e prevê impedir o abate dos animais nestes locais como medida de controlo da população. Estes passam a denominar-se Centros de Recolha Oficial de Animais (CREO) e este decreto-lei defende a esterilização e adopção.

Posto isto, cedo a DUDA, para vossa apreciação, em nome de todos os animais e não sem antes deixar claro que prefiro beijar uma pata a apertar uma mão manchada de atitudes grotescas para com eles.

Declaração Universal dos Direitos dos Animais – Unesco – ONU

(Bruxelas – Bélgica, 27 de Janeiro de 1978)

Preâmbulo:

– Considerando que todo o animal possui direitos;

– Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;

– Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo;

– Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros;

– Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante;

– Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais,

Proclama-se o seguinte:

ARTIGO 1:

Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência.

ARTIGO 2:

a) Cada animal tem direito ao respeito.

b) O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais.

c) Cada animal tem direito à consideração, à cura e à protecção do homem.

ARTIGO 3:

a) Nenhum animal será submetido a maus tratos e a actos cruéis.

b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia.

ARTIGO 4:

a) Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se.

b) A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito.

ARTIGO 5:

a) Cada animal pertencente a uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que são próprias de sua espécie.

b) Toda a modificação imposta pelo homem para fins mercantis é contrária a esse direito.

ARTIGO 6:

a) Cada animal que o homem escolher para companheiro tem o direito a uma duração de vida conforme sua longevidade natural

b) O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

ARTIGO 7:

Cada animal que trabalha tem o direito a uma razoável limitação do tempo e intensidade do trabalho, e a uma alimentação adequada e ao repouso.

ARTIGO 8:

a) A experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra.

b) As técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas

ARTIGO 9:

Nenhum animal deve ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado,transportado e abatido, sem que para ele tenha ansiedade ou dor.

ARTIGO 10:

Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. A exibição dos animais e os espectáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.

ARTIGO 11:

O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um crime contra a vida.

ARTIGO 12:

a) Cada ato que leve à morte um grande número de animais selvagens é um genocídio, ou seja, um delito contra a espécie.

b) O aniquilamento e a destruição do meio ambiente natural levam ao genocídio.

ARTIGO 13:

a) O animal morto deve ser tratado com respeito.

b) As cenas de violência de que os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos dos animais.

ARTIGO 14:

a) As associações de protecção e de salvaguarda dos animais devem ser representadas a nível de governo.

b) Os direitos dos animais devem ser defendidos por leis, como os direitos dos homens.

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