O pecado da gula

Há mais de 15 anos, ainda era eu um jovem em idade pré-universitária, muito atento ao mundo que me rodeava (ainda hoje o sou, mas não tanto como naquela altura), não passava uma semana sem comprar uma edição de um jornal de nome Diário de Notícias. Talvez impulsionado pela leitura compulsiva de Eça de Queiroz naqueles anos que precederam o final do século, ou simplesmente porque, depois de ler outros diários e semanários, aquele era, sem dúvida, o meu jornal de eleição, mas já há alguns anos que deixei de comprar o Diário de Notícias.

Ontem recebi com alguma tristeza a notícia dos despedimentos no grupo Controlinveste, onde o Diário de Notícias é o meio de comunicação do grupo mais afectado, com 25 jornalistas a serem despedidos. Contudo, basta olharmos bem para o percurso que têm tomado algumas das publicações da Controlinveste, nomeadamente o Diário de Notícias, e poderemos compreender o momento presente, não só deste jornal, como da comunicação social no geral. A Controlinveste e, principalmente, as sucessivas direcções do Diário de Notícias caíram há alguns anos no pecado capital do lucro feito através duma fórmula supostamente fácil, já testada e comprovada. Com o que não contaram foi com o facto de que até para se fazer mal e ter bons resultados é preciso saber.

Seguindo uma fórmula que até tem algum sucesso em Portugal, mas que está profundamente enraizada em alguns, poucos, meios de comunicação social, o Diário de Notícias entrou num caminho de sensacionalismo, desvirtuando por completo aquilo que foi o diário, durante bem mais de um século, lançando quer para a parte escrita, mas nomeadamente para as redes sociais, um chorrilho de nada, de conteúdo cuja informação, base daquilo que é o jornalismo, a meu ver, tem um valor nulo. Quando se faz conteúdo assim, impreterivelmente, os jornalistas, supostos profissionais da comunicação, são totalmente dispensáveis.

Ao contrário do que seria de se esperar, o Diário de Notícias não evoluiu num sentido de fazer concorrência a um Público, ou a um Expresso, focando-se em reportagem, investigação, seriedade e esclarecimento. Tentou colocar-se mais do lado de um Jornal de Notícias, do mesmo grupo (logo por aí um erro crasso), e fazer concorrência num registo onde o Correio da Manhã é vencedor, há muitos e muitos anos, sem qualquer agente que lhe faça a mínima mossa, ou risco.

Aquilo que se esperava dum jornal como o Diário de Notícias era que acompanhasse o crescimento do público e as suas necessidades de esclarecimento e de conhecimento, apostando numa franja que, sim, sem dúvida, ainda é diminuta, mas que consome diversos meios, nomeadamente de forma digital, principalmente através das redes sociais. Não dá resultados a curto prazo, não, é a realidade, mas a aposta que o grupo tem feito em termos, principalmente, deste meio, demonstra uma certa falta de visão do mercado e a necessidade de um lucro elevado num curto prazo.

O mercado editorial está em crise há muitos anos, mas a principal crise não tem a ver com questões apenas comerciais, nem com estratégias de venda. Tem a ver, principalmente, com o produto final que é oferecido e com os valores que eles representam. Tal como na nossa sociedade no geral, a ideia de que o que o consumidor precisa é de um produto final de consumo rápido e imediato faz com que a qualidade se perca, necessitando-se por isso de um packaging e de um conceito mais atractivos. A comunicação social, não só a escrita, como todas as outras, comporta-se como o mercado da restauração, que cede ao pecado do fast-food e que tem de investir muito dinheiro em marketing para chamar a atenção para os seus produtos. Contudo, tal como no mercado da restauração, o consumidor tem-se tornado mais exigente e informado e reage negativamente, quando o que lhe dão não é o que lhe mostraram que estava a comprar. Exemplos? Simplesmente basta ver nos jornais os títulos das notícias e depois ler as mesmas. Ainda existe muito leitor que apenas lê “as gordas”, pois elas ajudam-no a vociferar as suas frustrações contra o sistema, contra os políticos, contra a economia, contra tudo e contra todos, mas, de dia para dia, mais e mais leitores percebem que, afinal, “as gordas” são muito magras, a imagem não corresponde ao verdadeiro produto e deixam de confiar no meio. Os primeiros continuam a consumir o sensacionalismo fácil e comprovado, e são-lhes fiéis. Os segundos procuram algo novo e diferente.

Notícias como estas de despedimentos vão continuar a existir, enquanto o marketing não for realmente bem feito e não se conseguir compreender quem é o verdadeiro target e focar-se nele. O mercado editorial precisa e já se está a reinventar, mas há um longo caminho pela frente e quem não souber quem é o seu consumidor não vai ter, certamente, a sua vida facilitada.

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