Não faz assim tanto tempo que o uivar do Lobo se ouvia de Norte a Sul do país. Que o digam os nossos avós. Foi a partir da década de 30 que tudo mudou, quando teve início, por todo o território, uma campanha feroz para erradicar esta espécie. Eram tempos difíceis, a morte de uma galinha, de uma vaca, significava fome. Os anos foram passando e as condições de vida das pessoas melhoraram, mas o ódio ancestral pelo Lobo prevaleceu. O resultado está à vista de todos, ou melhor, não está à vista – actualmente o Lobo só existe, praticamente, a Norte do Rio Douro e contínua ameaçado pelo Homem.
Uma relação difícil
Desde 1988 que a legislação portuguesa penaliza quem mata o Lobo e indemniza os produtores de gado pelos danos causados. É também considerado, desde o início da década de 90, uma espécie em perigo. Isto não quer dizer que a perseguição a este animal seja uma história do passado. Muito pelo contrário.
Helena Rio Maior, faz parte de uma equipa que faz a monitorização do Lobo (colocação de colares GPS) na região do Alto Minho, desde 2006, e não tem dúvidas ao afirmar que 40% das mortes têm o dedo do Homem, “uma taxa de mortalidade tremenda”, diz. Em 20% dos casos, a causa são os tiros, seguidamente os laços (13%) e o veneno (7%). Ainda em Maio deste ano (2014), foi notícia o caso de uma Loba encontrada morta num laço, no Concelho de Monção. Perdas sempre muito dolorosas, para quem como ela segue diariamente os passos destes animais. Até à data todos os casos identificados foram arquivados.
Contrariamente ao que se pensa, “menos de 10% dos proprietários pecuários são atacados, o que corresponde a 1% da comunidade local, uma minoria”, comenta Francisco Álvares. Se os subsídios, as inúmeras associações que têm sido criadas nos últimos anos e o simples facto de ser uma espécie protegida por lei não têm sido suficientes para travar esta matança, o que fazer? Foi o que tentou perceber este biólogo, quando realizou um inquérito junto da população. Concluiu que 10% queriam a extinção da espécie, 60% que o lobo estivesse confinado a reservas cercadas e 5% admitiu que o gado devia ser correctamente vigiado. Na sua opinião, é fundamental “conviver com eles (Lobos) e fazer um esforço para proteger os animais domésticos”.
Um património cultural pouco aproveitado
Aliás, toda a zona do Parque Nacional da Peneda-Gerês só teria a ganhar com a convivência harmoniosa entre o Homem e o Lobo, garante Francisco Álvares. “O património devia ser mais explorado pelo turismo. Os fojos, por exemplo, são testemunhos únicos da arquitectura da relação do Homem com o Lobo e só existem, no mundo, a Norte da Península Ibérica”.
Os fojos, construídos no meio da serra, com paredes de pedra com dois metros de altura, serviam para matar o Lobo. São de dois tipos: de cabrita (fácil de entrar, difícil de sair), em forma de círculo, a ideia era colocar dentro do fojo uma cabra para servir de isco, e de paredes convergentes, constituídos por duas paredes que convergem para um fosso. Implicavam a mobilização de toda a população – as afamadas batidas populares. Os batedores conduziam o Lobo até ao fojo e este acabava por cair no fosso.
Era também habitual utilizar partes do corpo do Lobo na medicina tradicional, para curar doenças tanto no Homem, como no gado suíno. Na zona de Montalegre, há quem ainda hoje guarde consigo uma gola, pedaço de traqueia de Lobo – “um bem precioso”, dizem. Acredita-se que quem der aos animais, com Lobagueira, água por esta gola ficam curados. A título de curiosidade, patas, caudas e cabeças eram frequentemente utilizadas como amuletos.
Um património que podia também ser aproveitado, aquando a venda da carne de vitela, valorizando a facto de ser uma produto que sobreviveu ao Lobo. Daria outra notoriedade. Para Francisco Álvares, devíamos olhar para o exemplo americano. “As zonas com Lobo nos Estados Unidos da América são bem vendidas pelo turismo. Devíamos fazer o mesmo aqui”.
Um futuro dependente dos subsídios
Os sucessivos cortes verificados no Orçamento de Estado dos últimos anos têm afectado a vida dos produtores de gado. António Cerqueira é um dos produtores descontentes com os atrasos no pagamento dos subsídios, reclama que, se não fizer a substituição imediata do animal morto pelo Lobo, perde o subsídio. “E se não tiver dinheiro para outro animal? Penso muito nos jovens que agora estão a investir na criação de gado. Falam em dois meses, mas levam muitas vezes mais de dois anos a pagar. Atrasado e mal. Estamos na penúria. Só isto não chega”.
A continuar esta situação de atrasos no pagamento dos subsídios, o Lobo Ibérico poderá ser uma vez mais o prejudicado. O passado mostra-nos uma História de perseguição, resta saber o que lhe espera no futuro. “No nosso seio, o Lobo não é bem visto, mas tem que existir”, diz António Cerqueira.
