Julio Cortázar y Cris

Lua de Mel em Buenos Aires e a busca por este livro no Ateneu Grand Splendid levou-me à livraria do lado, El Cúspide, para tentar a sorte com Julio Cortázar y Cris. Descobri-o no Goodreads enquanto pesquisava algo sobre Cortázar, para logo constatar não existir em português. No embalo, explorei também a autora, Cristina Peri Rosa, poetisa uruguaia que eu desconhecia.

Atirei-me a ele ainda durante a viagem, mal terminei A Volta ao Dia em 80 Mundos, o livro de Cortázar que me faltava (dos que se encontram traduzidos para português de Portugal, sem contar com Papéis Inesperados, que me parece ter sido publicado para fazer render o peixe), e cedo na leitura das cerca de 115 páginas fiquei agarrado. É pena este livro ter valor sobretudo para os fãs de Cortázar: está escrito com tal carinho e sensibilidade que o li pelo escritor argentino e terminei fã de Peri Rossi.

Li-o em espanhol, o primeiro livro que li em espanhol na vida. Já havia lido alguns em inglês, mas só me deram gozo os que não tratavam de ficção. Os temáticos – História da Ciência ou da Matemática, Psicologia Social ou Política – dado o léxico limitado, por este orbitar em torno de um mesmo assunto ao longo de todo o livro, foram fáceis; agora os de ficção – The Catcher in the Rye ou The Phantom of the Opera (uma tradução do original, em francês), foi um suplício, sempre agarrado ao dicionário.

Foi assim a medo que me lancei para as páginas de Julio Cortázar y Cris, mas a curiosidade em saber da vida de Cortázar, relatado por uma amiga próxima foi mais forte que o medo. E a fluência que eu já sabia que vinha desenvolvendo com o espanhol (exigências profissionais) produziu frutos na vida pessoal: a leitura começou a fluir, para minha surpresa e entusiasmo.

Aprendi com este livro que há artistas imortais pela juventude e amor que deixaram em vida. Com a leitura no idioma original, o espanhol no caso, aprendi também os matizes de alguém que há muito admiro, e que nenhum editor português (ainda) pegou. Aprendi quem é Cristina Peri Rossi. E aprendi a riqueza de se ler na língua original, experiência que levava apenas do português, ouvindo com muito maior nitidez a voz de quem escreve, os seus sentimentos mais a nu através das exactas palavras escolhidas pelo autor, sem as camadas filtradas de uma tradução, por muito boa que ela seja.

Aprendi sobre a vida de Cortázar e da sua amizade com Peri Rossi, muito mais nova, tendo-se conhecido já tarde na vida dele (ela era uma miúda, 19 anos, creio), por iniciativa do escritor argentino ao ver uma relação (o que os escritores melhor sabem fazer) entre a obra de estreia dela e um livro seu (ou um conto, não me recordo). Sobre Cortázar, recatado na vida privada, é levantado um pouco o véu, e mesmo sugerido ter tido uma paixoneta pela jovem Peri Rossi, amor esse impossível dada a homossexualidade da poetisa. Não obstante, talvez tenha sido amor o que nasceu entre os dois. Não o amor erótico, mas algo mais poético, sem deixar de se alicerçar no concreto. Não tem como alicerce o esteio do erótico, mas aguenta-se nas restantes fundações.

Em antepenúltimo, aprendi (ou comprovei uma vez mais) que o contexto faz milagres: estar na Argentina é um convite a experimentar esta vida, esta literatura, sem os tropeções da tradução, ainda que possa escorregar numa ou noutra palavra. O ambiente é tudo em tantas coisas na vida, e também na leitura ele concorre para nos levar para aqui ou para ali, direccionando as nossas escolhas que, não deixando de ser livres, acompanham o meio que abraçamos em dado momento.

Em penúltimo, aprendi sobre o maravilhoso mundo interior de Cortázar, o que sofreu por amor e como foi perseguido por uma stalker cubana com quem teve uma curte. O gigante argentino era um homem de uma generosidade e profundidade imensas. Morreu cedo demais, em 1984, aos 69 anos, pensa-se que devido a uma transfusão com sangue infectado. Morreu deprimido após a morte da segunda mulher, tendo sido a primeira quem o acompanhou no final da sua vida. Talvez mais do que os livros e a constante admiração com o real e a exploração que fez do mundo insólito, fantástico e misterioso que a vida esconde, esta condição seja o que mais diz acerca de si: a primeira mulher foi quem o acompanhou no fim.

Por fim, repito, Cristina Peri Rossi, ganhou um fã com este conjunto de testemunhos de uma relação íntima que caminha feliz sobre essa fronteira chamada ‘Amorzade’.

[Este texto não está escrito segundo o novo acordo ortográfico]

Exit mobile version