Desequilíbrio

Hoje a tua pele cheirava a sol e a promessas. Precisei de um copo de vinho para tirar o sabor do teu nome da minha língua.

Na cama espera-me outro corpo, outro toque, outro ritmo. Não quero pensar se sentirás que me habituei demasiado rápido à tua distância, mas penso. E tenho raiva de me preocupar com isso. De me deixar levar pela memória da tua respiração no meu ouvido, lembranças charlatãs que me vendem um passado sedutor que não foi bem assim. Esta mania incontrolável de ruminar: arrancar as crostas e abrir as cicatrizes e escarafunchar as feridas à procura de soluções hipotéticas.

Devia ter bebido dois copos de vinho. Ou uma garrafa inteira.

Fecho os olhos, desejando não ter entornado contigo toda a felicidade que me foi destinada. Se for finita, se afinal existir uma genética metafísica e tivermos um certo número de momentos felizes previsto no ADN, pergunto-me quanto me restará, como é doseada, se alguém pode doar. Dador de órgãos, dador de felicidade. O corpo poderá rejeitar a alegria transplantada? Haverá próteses? A que soará uma gargalhada com remendos?

Preciso de me deitar, enfrentar a almofada cheia dos pesadelos que as saudades me forçam pelo sono dentro, vencer a tua ausência. Engasgo-me com as palavras, mesmo que nem as diga, mesmo que só as pense. Engasgo-me com as lembranças de ti. Fazes-me tropeçar, desequilibras-me a vida.

E é esse o problema, não é?

Não consigo deitar-me aqui. Continuo a dar voltas ao teu sabor e ao teu cheiro e às promessas que insinuas sem a mínima intenção de cumprir. Conheço bem o impossível. E não consigo ficar aqui. Finjo-me inocente mas continuo preso entre o paradoxo do que quero e de quem sou. Estás dolorosamente presente na minha carne até quando tenho outros braços à minha volta. Pego no casaco porque sei que me esperas. Fecho a porta de casa.

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