A estranha forma de vida da Classe Média

Quando a economia não acompanha a evolução social, humana e intelectual temos um desequilíbrio abrupto nos novos tempos.

Os critérios usados pela OCDE, organização para a cooperação económica, criada em 1948, para a definição da classe média estão, à luz do que se passa em Portugal, completamente descaracterizados.

Temos presente uma classe média evoluída sob o ponto de vista académico e intelectual. Uma classe que acompanha a era digital, que acompanha tudo o que se passa no mundo em tempo real. Não tanto o que vai dentro de si mesmo… Que tem interesses diversificados, que lê, que tem opinião porque preserva tempo para se dedicar a tê-la. Que relaxa com cinema, filmes, séries, videojogos e concertos. Que aprecia bons vinhos e roteiros gastronómicos. Que entende que viajar é cultura. Que conhecer outros povos é alargar horizontes e desenvolver tolerância. Que entende que a nossa forma de viver e de entender o mundo não é necessariamente a melhor. Que entende que também é importante não fazer nada. Que entende que a rotina mata e está sempre aberta a novas experiências. Que entende que é importante ser cuidado e ter um corpo saudável porque daí vem um bem essencial, a auto-estima. Que entende que as pessoas que amam são o mais importante e há que proporcionar-lhes o melhor da vida.

A classe média de hoje sabe isso tudo, porque o conquistou naturalmente graças aos tempos modernos. Quer queiramos quer não é inevitável todos caminharmos para a evolução uns a passos largos, outros com mais resistência.

Perante isto, onde é que a economia acompanha? A classe média já não consegue viver como os nossos pais e avós. A comida na mesa, os passeios limitados, a roupa nova das festas não chega. Já ninguém consegue viver assim. Há despesas que atualmente são inquestionáveis não ter, sendo que as mais básica de todas, equiparáveis a bens essenciais, são a Internet, o telemóvel e um carro, se disso depender a deslocação ao trabalho. A classe média não consegue tratar os dentes sem que isso tenha um peso gigante no orçamento mensal. Não parece coisa de países de terceiro mundo? Parece-me bem ficarmos de olho, porque qualquer dia racionalizam-nos a água potável e não será pelas razões mais nobres, o eco-sistema. E a preservação da saúde mental de que se fala tão abertamente e sem preconceitos? Há almofada financeira para investir quando as contas astronómicas do supermercado insistem em não descer? Até para apanhar ar puro é preciso dinheiro a menos que venhamos respirar à porta de casa. O que não me parece má ideia, mas todos os dias?

Cada vez se fala mais na falta de acesso à cultura por parte da população e da falta de investimento do governo nesse sector. Será assim tão descartável? É a cultura que nos faz pensar, questionar, ter emoções, viver e não sobreviver.

Será isto que nos espera nas próximas décadas? Mentes evoluídas ceifadas financeiramente com transtornos de ansiedade e perturbações do sono pela diminuição da qualidade de vida? A quem ainda acreditar neste país e quiser ficar resta resiliência e Sol. Sol ainda temos e de borla.

Nota: este artigo foi escrito segundo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
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