Muitos são os que defendem que a sabedoria está no povo, o qual não tem contemplações quando chega a hora de votar. Qualquer resultado põe na boca dos políticos a justiça dos votantes. Obviamente que, numa democracia, a contagem dos votos fala por si e se respeita a escolha expressa pelos eleitores.
Convenhamos que, em Portugal, a cidadania ativa anda pelas ruas da amargura. Muitos dos mais velhos consideram que o ato de votar pode ser dispensado porque os políticos são todos iguais. Portanto, qualquer candidato serve. Outros tantos de entre os quais se destacam camadas mais jovens, por sua vez, deixam-se seduzir por discursos populistas tão pobres quanto a sua formação geral.
E de quem é a culpa? Pois, parece que morre solteira. Não encontramos explicações que a norteiem. Desde tempos recuados que a precariedade de uma cidadania consciente se manifesta. Eça de Queirós, por exemplo, no século XIX faz uma crítica social e política muito acutilante em vários romances. Vejamos o exemplo flagrante de O Conde de Abranhos, onde a personagem de Alípio Severo Abranhos, um político de destaque, ao qual poderíamos chamar self- made man é apresentado no esplendor da sua ignorância: “Não sabia História, não sabia Economia, não sabia Direito; mas possuía uma coisa mais preciosa — a facilidade de arranjar frases.”; Nunca estudava os assuntos: improvisava-os, com a confiança ingénua de que a eloquência supre a ciência.” e, ainda, “O seu discurso era um turbilhão de palavras sonoras, sem ideias precisas, mas com gestos largos que impressionavam os ouvintes.”
Pois, em pleno século XXI, ainda se verifica esta ignorância sobranceira de muitos políticos. Outros tempos conheceram líderes que, independentemente da ideologia, se distinguiam pela preparação intelectual e pela visão política, como Mário Soares, Sá Carneiro ou Álvaro Cunhal. Hoje, em contrapartida, prevalece o ruído das redes sociais e o espetáculo das frases virais, que substituem projetos de sociedade por slogans agressivos.
O que uma massa cada vez mais densa aprecia, é o ruído inflamatório dos que incitam, nas redes sociais, à desestruturação de ideias e inflamam opiniões à medida de interesses individuais sem terem a menor noção dos princípios da defesa do coletivo. Brada-se aos céus o que cada um, em qualquer café, vocifera em seu benefício próprio.
É assim que se confunde Bürgerfest com um “festival de hambúrgueres”. Citando o autor desse desalinho : “O Parlamento aprovou a ida do Presidente da República à Alemanha para ir a um festival de hambúrgueres. À conta dos nossos impostos. Acham isto normal? Será que os portugueses não se revoltam?” e também “Isto é uma bandalheira. Mas sabem por que é isto passa, sabem por que é que coisas destas passam? Porque vocês não sabem disto. Vocês não se revoltam com isto porque não sabem”.
Tais instigações seriam cómicas se não arrastassem consigo um discurso impregnado de ódio disfarçado de indignação e de incitação popular. Por outro lado, sabemos que esse líder do partido que recentemente elegeu sessenta deputados na Assembleia da República, aplica certeiramente a dimensão da consciência política e cívica do país aliada a um sistema de ensino cada vez menos rigoroso.
Refletir para votar é quase uma miragem. Conhecer os candidatos? Ninguém tem tempo para isso. Aproximam-se as eleições autárquicas e será de esperar que, uma vez mais, o povo vote com a tal sabedoria.
Para inverter esta tendência, é essencial investir em três pilares. Primeiro, reforçar a educação cívica e a literacia mediática, para que as novas gerações saibam distinguir informação rigorosa de manipulação populista. Segundo, estimular o debate público informado, com espaços de confronto de ideias que ultrapassem o imediatismo das redes sociais. Terceiro, valorizar o mérito político, resgatando a importância do conhecimento, da competência e da preparação na escolha dos líderes.
É urgente que a cidadania deixe de ser uma palavra oca e se torne num exercício consciente e exigente em democracia.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
