Quando for velha não sei se terei quem me empurre a cadeira de rodas, quem me leve a lanchar fora ou quem me visite no Natal. Não sei se ainda alguém se lembrará de mim ou até mesmo eu posso ficar apagada e me esquecer de tudo. Vou ficar cada vez mais sozinha, mais abandonada da vida e mais triste do destino.
Enquanto fui criança tive alguns que me deram a mão, que me indicaram o caminho e me ensinaram como se conseguia a luz. Com cuidado e atenção, iam dando as indicações a serem seguidas, mas eu escolhia os caminhos que me interessavam e que podiam não ser os sugeridos. Mais tarde fui andando naquela avenida grande e cheia de ratoeiras, tropeçando aqui e ali, saltando algumas ravinas e ignorando as poças. Chama-se vida. Não me molhei.
Agora estou na auto-estrada que não me permite paragens sem motivos válidos. A velocidade é que importa e nada mais tem razão de ser. Tudo é a correr, cheio de pressas e daquelas necessidades que até já se esqueceram. Para que eram? Andar a direito, olhar em frente e continuar a trilhar caminhos, que se querem registados na memória. Tudo é importante mesmo o que não tem o mínimo préstimo nem valor.
Tenho dado a mão a tantos, a todos os que me pediram e aos que vieram a seguir, ensinado onde é que se pode escolher e amparando naquelas curvas mais complicadas que podem levar a despistes. A mão esteve sempre como apoio. Foi útil e por isso me voltaram a pedir, a serem levados pela mão e pelo caminho que traria mais alegria, mas eu ensinei as barreiras, mostrei os muros e dei o isco para que a pesca fosse um sucesso. O resto foi com cada um.
Contudo, quando for velha, quando já não tiver autonomia, quem me vai indicar a luz? Quando perder o discernimento como me poderei orientar? E com saberei onde estou? Saberei que ainda vivo? Para que raio estou a pensar no futuro? Se hoje estou lúcida só tenho que aproveitar e continuar como se tudo ainda fosse possível de ser descoberto. Para quê sofrer por antecipação?
Talvez pense que sou jovem e que ainda posso brincar, que o tempo não tem importância e que a vida continua a fluir como no primeiro dia. O corpo pode saber que tempo tem, mas o espírito, aquilo que o veste por dentro, só fica com rugas se eu o permitir. É preciso que a passagem a ferro seja suave, sem ser muito quente e que o vapor que liberta, se espalhe por todos os cantos e possa ser usufruído por muitos. A partilha é essencial.,
Nestes caminhos sem portagem, o melhor é ir devagar. Se tiver um furo, posso sempre parar e ver se ainda existe aquilo que se chama de ajuda rodoviária. Pode ser que alguém pare e faça a pergunta principal: posso ajudar? Basta que pare para ser a essência da questão, o âmago da coisa, o saber que não se é invisível e que afinal ainda se liberta luz.
O futuro pode ser hoje e foi ontem, mas também será amanhã. Os dias são sempre novos e a vontade de arrebanhar a vida é que nunca vai mudar. Se o tempo, esse incrível conquistador indómito, tivesse rugas, as montanhas nem precisavam de existir. Nem os rios, que são como as lágrimas que rolam por rugosidades e lhes dão mais claridade.
A beleza de viver é a descoberta, o sentido de que tudo tem algo de novo, que há sempre mais para conquistar e que os detalhes, aquelas pequenas coisas que estão à frente de todos, mas que passam despercebidas, são os tesouros que ainda fazem por encantar. A arte de viver é um poema de alegria.