Amava-o. Ups. Não, não, não! Nunca diria isso a ninguém, mal conseguia pensar nisso! Como muito diria que, às vezes, até achava que tinha piada. Odiava-o. Amava-o. Odiava-o. Não sabia. Não conseguia decidir-se. Como não? Tinha-se convencido a odiá-lo, e ia odiá-lo com toda a força do seu ser. Sim, ia conseguir, estava decidido! O passo seguinte seria ignorá-lo, seria conseguir que ele lhe fosse indiferente, que não lhe conseguisse partir o coração com o seu olhar frio depois de uma noite de sexo. Mas, para já, o ódio era o seu melhor amigo. E tinha razões para isso; ele tratava-a mal, falava-lhe mal, já tinha até ameaçado bater-lhe – e ela não queria admitir que aquele empurrão mais forte contra a parede tinha sido violência. Tinha apagado aquela memória, tinha sido uma noite de má bebedeira.
Olhou para o telefone, querendo uma chamada dele. Mas não havia nada. Irritou-se consigo própria, com a sua carência. Era sábado, o seu primeiro dia de uma semana de férias, estava na casa de amigos a jantar e a conversar, a matar saudades dos seus tempos de estudante, e só pensava nele. Que raiva! Quem era aquela pessoa em que ela se tinha transformado? Onde estava a sua liberdade jovem e revolucionária? Como é que se tinha deixado apanhar e contagiar por aquele falso deslumbre que ele lançava, aquele cavalheirismo fingido, aquelas emoções e palavras mentirosas?
O telefone tocou. Mas não era ele. Era a mãe dela. Sentiu-se um bocadinho desiludida, e depois sentiu-se culpada. Era a sua mãe, a sua querida mãe, e ela só desejava que fosse aquele homem horrível que tanto mal lhe fazia. Atendeu e sorriu, falou com a mãe, mordeu o lábio para não chorar, e ouviu todas as novidades dos irmãos e dos sobrinhos, dos pais, dos avós, dos vizinhos. Tinha saudades, e sentia uma extrema necessidade de fugir.
Desligou, e quis escrever uma mensagem para ele. “Odeio-te!”. Só. Só para ele saber, só para descarregar nele toda a força da sua raiva.
“Então, estás longe?” um amigo abraçou-a, e ela sorriu aquele grande sorriso que todos conheciam e adoravam. Prestou atenção aos amigos, e sentiu-se a relaxar. Admirou-se até, por duas vezes, de ver que durante alguns minutos tinha conseguido esquecê-lo. Riu-se com as anedotas e com os brindes, participou nas conversas, e no fim da noite sentia-se feliz e de cabeça leve. Despediu-se com o coração cheio e quente com amizade e álcool.
Quando chegou a casa, à porta de casa dela estava o carro dele. Até o carro lhe dava raiva. Ele saiu assim que a viu.
“Onde é que estiveste?”
“O que é que tens a ver com isso?”
Ele semicerrou os olhos, e ela ficou instantaneamente sóbria. Teve medo. Não teve medo dele, teve medo que ele também a odiasse. Ela podia odiá-lo, ela odiava-o, mas ele tinha que a amar, ele tinha que sofrer. Ele não podia sair feliz e ser o primeiro a conseguir esquecer as memórias dos dois.
“Tirei férias” anunciou ele.
“O que é que eu tenho a ver com isso?” sorriu. Quis mostrar que ele não tinha direito a ela, e ela não queria ter direito a ele.
Ele ignorou-a: “uma semana. Marquei a viagem para os dois e o hotel, vamos para o sul de França.”
Ela sentiu-se paralisar. Férias. Férias juntos. Os dois, ela e ele, de férias longe, a partilhar os dias e as noites. A vida. Nunca tinha acontecido, tinha sempre sido tudo secreto, às escondidas, no carro dele à noite, no apartamento dele de madrugada. Nunca assumir, nunca levá-la a lugares muito expostos, nunca levá-la de férias.
Não sabia o que dizer. Queria chorar.
“Nós dois?”
Ele revirou os olhos e respondeu bruscamente: “Claro, quem haveria de ser?”
Ela beijou-o. Inesperadamente, com força, com emoção. Talvez ele não fosse assim tão mau. Talvez ele não fosse esse homem terrível, ela sabia que por vezes era exagerada, era dramática. Tudo ia ser diferente. Ela amava-o, amava-o tanto! Ia tudo correr bem, ela tinha a certeza que sim, porque agora sabia que ele também a amava. Não amava? Só podia. Só podia. Afasta as dúvidas, dizia-se a si própria.
Ele afastou-a, carrancudo, e ela sorriu-lhe, feliz e carente.
“Subimos?”