Um estudo refere que o ártico pode descongelar totalmente em tão pouco tempo quanto 2030. As notícias não são animadoras e revelam a incapacidade em reduzir as consequências das alterações climáticas. O degelo do ártico poderá refletir-se numa menor reserva de água doce disponível, um recurso já de si pouco abundante no planeta, mas também do aumento do nível médio do mar, fazendo com que algumas cidades deixem de ser habitadas.
Anualmente fazem-se conferências sobre o clima onde se afirma a urgência de mudarmos as nossas atitudes e comportamentos, de modo que seja possível, pelo menos, retardar os efeitos das alterações climáticas. Esta urgência já se traduziu em 27 COP’s desde 1995. Todos os anos, líderes mundiais reúnem-se para debater o problema ambiental e todos os anos os resultados são sempre os mesmos: estamos aquém do que deveria ser feito, vamos tomar medidas, impasses nas negociações, propostas pouco ambiciosas para ultrapassar os impasses negociais.
O problema ambiental é, portanto, político e social. Político, porque as elites não têm sentido de Estado nem de responsabilidade para além do que é o calendário eleitoral; é social, porque envolve a mudança do atual sistema económico e alterações substanciais na divisão internacional do trabalho e dos recursos naturais.
Não é preciso recuar ao século XIX para se comprovar que o capitalismo não tem subjacente a solidariedade social. Por mais que se queira desfocar a realidade, com doutrinas sociais da Igreja, capitalismo verde ou filantropismos de milionários, a verdade é que o capitalismo só se preocupa com a acumulação de capital e produção de mais-valia, distribuindo pela sociedade o mínimo possível para manter em níveis baixos a contestação social.
Os leitores mais argutos poderão dizer que já iniciamos um plano de transição energética e que a energia verde está a tornar-se a regra. É um contra-argumento válido, mas de pouco alcance. Quais sociedades estão a tornarem-se energeticamente verdes? A realidade mostra, ainda que com algumas variações, só as sociedades ocidentais estão a tomar este caminho, enquanto os países mais pobres e em desenvolvimento continuam com o mesmo modelo energético. Mas a que custo?
Para nos tornarmos energeticamente verdes deslocamos a poluição para outros países. A extração de grafite, cobre ou lítio assenta em técnicas com um grande custo ambiental e para a saúde, tanto dos mineiros como das populações que vivem em volta das minas.
A exploração de grafite nas minas da China, um dos principais exportadores, produz poeiras nocivas para a saúde de quem ali vive e trabalha e reduz a produção agrícola, chegando a ser letal para árvores e outras plantações. A própria atividade mineira provoca a contaminação das águas, tanto de rios como dos aquíferos existentes, o que torna quase impossível a vida naqueles lugares. A nossa energia verde é de consequência letal noutras geografias.
Se olharmos para qualquer outro recurso essencial na nossa transição energética, verificamos o mesmo padrão. O lítio tem diversas aplicações possíveis, mas é no seio das baterias que é mais conhecido. O impacto da sua exploração está na origem do aumento de cancro do pulmão nos residentes que vivem próximos mina, como também numa taxa alta de mortalidade infantil. Mesmo do ponto de vista ecológico, a sua exploração tem custos altos, com o decréscimo de aves migratórias nativas da região do Atacama. Talvez por estarem longe dos nossos olhares a sua importância para nós seja reduzida.
Não argumento que tudo deve estar como está ou que não se promova a transição energética. No entanto, não adianta mudar os elementos de base de produção de energia e manter os mesmos hábitos e dependências.
As alterações ambientais serão combatidas quando as nossas sociedades mudarem de paradigma. Se realmente queremos reverter as alterações climáticas precisamos de alterar os nossos estilos de vida, abandonar o modelo consumista por um mais sustentável.
A mudança de paradigma inicia-se pela mudança de mentalidades. Quando deixar de ser símbolo de status ter a última versão de um produto da Apple, mas sim a capacidade de manter produtos pelo seu tempo de vida, então teremos feito algum avanço. Quando deixarmos de comprar produtos biológicos embalados em plástico, mas começarmos a comprar produtos (ou mesmo produzir, porque não?) o mais próximo possível do produtor, então teremos produzido algum impacto positivo.
Quando a sociedade se organizar, não em função do lucro material, mas em torno de um planeamento que tenha em conta as necessidades sociais e a capacidade produtiva da natureza, reforçada por uma verdadeira cooperação internacional, então estaremos no caminho de reverter o problema ambiental.