Quando Leonardo DiCaprio foi nomeado ao Óscar haviam milhões de fãs nas redes sociais a louvar mais uma nomeação, mas mesmo que nenhum filme se defina pelas suas nomeações à tão cobiçada estatueta dourada, digamos que este The Revenant – O Renascido oferece uma das melhores interpretações do actor e afirma-se como a mais rica longa-metragem do visionário Alejandro G. Iñarritu.
Iñarritu reconhecido cineasta de Amores Perros, 21 Gramas, Babel, Biutiful e Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância (este último galardoado com quatro Óscares, incluindo melhor filme e melhor realizador) concretiza o impossível com The Revenant – O Renascido. Esta comum história de vingança à partida não traria nada de novo ao universo cinematográfico, porém estamos diante um realizador que gosta de desafiar-se a si próprio e tendo em conta a estrutura narrativa dos seus filmes, apresenta-nos sempre algo, quiçá de diferente. E nem mais certeiro poderia ser.
O filme que ousa renascer – sim, uma ligação imediata ao seu título – o western, género muito específico do cinema americano que parecia morto desde Imperdoável, de Clint Eastwood ou Indomável, de Joel & Ethan Coen, aproxima-se mais aos filmes de Sydney Pollack dos anos 60 e 70 (por exemplo, As Brancas Montanhas da Morte, com Robert Redford) ou O Novo Mundo, de Terrence Malick. Além disso, tudo encaminhava-se para o projecto ser dirigido por um realizador americano, ironicamente é através de Iñarritu, um mexicano, que conhecemos a cultura da terra do tio Sam – destaque para a violência nos confrontos entre os americanos e os americanos nativos.
Decorria o ano de 1823, quando Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), um caçador de peles seria ferido por um urso que tentava proteger as suas crias. Depois, de ser deixado às portas da morte por John Fitzgerald (Tom Hardy, num performance arrogante, cruel e maligna que, dizem uns, consegue roubar a cena), Hugh parte numa demanda em busca de vingança pela morte do seu filho. Esta é apenas uma parte de uma extraordinária e incrível história de resiliência. E de facto, a tão comentada interpretação de Leonardo DiCaprio expõe uma vez mais o seu talento.
A sua voz e todos os gestos tornam-o um actor autêntico que está longe de ser espelho de uma ou outra estrela do cinema clássico. DiCaprio é único, e pelos resultados agora atingidos nas bilheteiras em Portugal como nos Estados Unidos, consegue atingir sempre a audiência, capacidade que independentemente das técnicas de marketing, é às vezes pouco eficaz em Hollywood. Os seus lamentos de dor e de perda podem deitá-lo abaixo (esta é uma interpretação muito mais física e mental do que aquelas que já vimos ser capaz de fazer), mas, em simultâneo, são aquilo que permitem-no continuar a sua demanda, sempre num frente a frente com a força da natureza. E que natureza – note que o filme foi quase todo filmado em exteriores reais, nomeadamente Argentina e Canadá e na sua maioria utiliza luz natural, trabalho bastante árduo de produção.
Existem ainda pequenos toques que o filme não hesita mencionar. O filho assassinado de Hugh Glass era fruto de uma relação com uma americana nativa, daí que numa análise enquanto ser humano, Hugh Glass era já um homem muito à frente do seu tempo. O trio pode aparecer poucas vezes junto, mas os curtos instantes reenviam sempre a uma dimensão onírica e até religiosa que mostram o carácter deste culto homem. Na verdade é esta última característica evocada, a religião, que ressalta persistentemente à vista. The Revenant – O Renascido não é um mero filme de acção à la Os Vingadores, é um filme no qual nos encontramos com Deus. Diante os nossos olhos que tanto o menosprezam, somos colocados lado a lado a essa força metafísica que está para além de nós e que, quer queiramos quer não, rege o mundo.
Tudo graças à épica direcção de fotografia de Emmanuel Lubezski (que teve a mesma função em A Árvore da Vida e em Gravidade). O artista vencedor de dois Óscares consecutivos consegue salientar as cores da natureza deste e do outro mundo. É impressionante como só agora a fotografia consegue ser tão falada da mesma maneira que uma realização ou uma performance. Se existem evoluções no campo digital é devido a este procedimento técnico que neste caso prescinde do exuberante CGI e usa os efeitos visuais com a finalidade de salientar apenas o real. O mesmo que o se o diga da sincronia dos planos, com a liderança de Iñarritu, ambos transformam-se numa só mente no processo de contar aquela que é talvez a melhor história de 2015 (que chega tardiamente às nossas salas).
Enfim, não pensemos que este é o derradeiro filme que permitirá Leonardo DiCaprio ganhar o Óscar, pode e pode não ser isso que aqui está em causa. The Revenant – O Renascido é indiscutivelmente uma narrativa visceral, para utilizarmos o termo correcto, e feita directamente para os mais crentes, ou para aqueles espectadores que precisam de um murro no estômago de vez em quando.
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