Comecei a ver The Menu pelo elenco e pelas várias recomendações, sem saber bem qual era a premissa. Quando cheguei ao fim, tinha a certeza que é um daqueles filmes que divide o mundo em dois: quem já trabalhou em restauração e quem nunca o fez. Sendo eu do primeiro grupo e depois de trabalhar em pelo menos uma situação de cozinha aberta ao lado de um chef, em que uma das minhas principais funções era pedir ao mesmo que, pelo amor de Deus, pousasse o cutelo, revi-me várias vezes neste filme, mas já lá vamos.
O filme desenrola-se numa ilha remota onde apenas existe o restaurante do conceituado chef Slowik, interpretado por Ralph Fiennes, e as acomodações onde ele vive assim como o seu staff. Os vários clientes são levados de barco até à ilha, ficando isolados do mundo e sem rede de telemóvel. Cedo se percebe que os participantes deste jantar foram escolhidos a dedo: uma crítica gastronómica responsável pelo fecho de vários restaurantes, um actor ultrapassado que agora apresenta um programa de comida do mundo, três colaboradores do investidor que mantém o restaurante aberto, um casal que é cliente habitual, mas nem por isso se lembra do que já lá comeu, e por fim Tyler, um food blogger e chef amador que idolatra o chef Slowik, interpretado por Nicholas Hoult. Anya Taylor-Joy é Margot, a acompanhante de Tyler. Quando o chef e o staff começam a manifestar desconforto por Margot não ser a pessoa que inicialmente estava prevista comparecer, fica claro que existe um propósito sórdido por trás deste jantar.
A um nível mais específico, The Menu aborda a forma como a cultura foodie estraga a experiência gastronómica. Como os especialistas auto-proclamados arruínam a sua própria experiência com expectativas irrealistas e como as equipas de cozinha vivem diariamente com o stress de subir rankings e reviews, para o cliente estar mais interessado em partilhar a foto da comida do que saboreá-la.
Várias situações do meu passado em restauração e relatos de antigos colegas me vieram à ideia durante o filme. Uma chef de cozinha que conheço, outro dia desabafava que foi chamada à mesa por um cliente – outro fenómeno recente, o de achar que à hora das refeições, o chef está disponível para vir às mesas conversar. Chegada à mesa, o cliente disse-lhe que a refeição estava muito boa, mas não o surpreendeu. Sem saber bem como reagir, ela perguntou: “Mas estava boa?” Resposta: “Sim, muito boa, mas não me surpreendeu”. Garante esta chef que nem a descrição do prato nem o preço prometiam surpresas, só… comida boa. Contudo, menos mal, não foi uma das vezes que a mandaram embora, porque não queriam falar com ela e sim com “o” chef.
Comigo, várias situações caricatas se passaram. Entre as pessoas acharem que deviam fazer o pedido directamente ao chef, gritando-o por cima do balcão, já que a cozinha era aberta, (é suposto fazerem-no ao empregado de mesa, que regista na mesa correspondente e entrega ao chef por ordem), dar palpites sobre a preparação da comida, requisitar um workshop ou até uma receita directamente da fonte – Chef, pousa o cutelo – e quem nunca trabalhou em bar e preparou um gin com o nariz de um “connaisseur” a dez centímetros do copo, para no fim nos dizer que aquele gin em particular não se mexe no sentido dos ponteiros do relógio e sim ao contrário?
Por estas e outras, The Menu deixou-me uma ideia: criar um site de avaliação de clientes, uma espécie de The Fork invertido, onde em vez de estrelas, os estabelecimentos podem classificar os clientes em chapeuzinhos de chocolate.
No entanto, se quisermos olhar para ele de uma forma mais abrangente, este filme é sobre muito mais. É sobre outras áreas profissionais que sofrem com a prepotência dos clientes que acham que os profissionais são substituíveis. Quando trabalhava com moda, cheguei a ver uma adolescente a dizer a uma maquilhadora profissional que não lhe pagava porque sabia fazer o trabalho dela, que “via no YouTube”. É sobre não viver no momento, não saborear cada acontecimento, seja porque estamos mais interessados em partilhar o registo dele ou porque ao querermos ser especialistas caseiros lhes retiramos toda a magia. Tal como as pessoas que vão a um concerto e em vez de o viver, apenas o filmam, estragando a experiência não só para eles, mas também para quem está atrás deles. Convida-nos a pensar de que outras formas estamos a estragar as nossas experiências de prazeres simples, por insistir em complicá-los.
The Menu deixa-nos dois conselhos fundamentais: aprender a saborear a vida e nunca tratar mal quem nos serve comida.