
Foi em Agosto de 2017, quando me encontrava a escrever a minha tese de Mestrado, que tive conhecimento do Serviço Voluntário Europeu. Apaixonada por viagens desde criança, soube desde logo que este programa teria de fazer parte da minha vida. O calendário marcava o dia 7 de Setembro de 2018, quando me mudei para Bordeaux, em França. Foi nessa altura que iniciei um projecto de voluntariado em que sou embaixadora dos valores europeus, um termo mais ou menos pomposo para dizer que ajudo a divulgar os valores que regem o conceito de União Europeia. Este projecto é constituído por doze voluntários de toda a Europa (Portugal, Espanha, Alemanha, Finlândia, Eslováquia, Roménia, Sérvia e Geórgia) e doze voluntários residentes em França. Desde Setembro que convivo com este imenso grupo de pessoas de diferentes origens e devo dizer que nem sempre é fácil. Aliás, muitas vezes não é nada fácil.
Durante os primeiros cinco meses em que aqui residi houve descoberta, houve trabalho, houve companheirismo. Houve festas, houve música, houve Netflix até às tantas. Houve discussões, houve choro, houve drama. Ao fim de mais de cinco meses, posso afirmar com toda a convicção que há amizade: uma portuguesa (eu, eu, eu!), uma alemã, uma finlandesa, uma eslovaca e um georgiano formam o grupo dos Cariñicos, devidamente baptizado pelos voluntários espanhóis, devido ao nosso modo de ser carinhoso com os outros.
Juntos trabalhamos, divertimo-nos, viajamos (mais e mais!). Aos poucos, partilhamos objectivos e contamos segredos. Todos nós temos uma história – já o sabia muito antes de vir para aqui. Contudo, foi aqui que a consciência dessa verdade se tornou mais forte. E que me questionei: saberemos distinguir aquilo que é a nossa personalidade daquilo que é a nossa cultura? E até que ponto a forma como fomos educados, o país onde nascemos e crescemos, influenciam a nossa personalidade? Se alguém fica ofendido por que outra pessoa chega atrasada a um evento significa que essa pessoa não tolera atrasos ou que a sua cultura os considera uma falta de respeito? Uma pessoa de outro país teria reagido da mesma forma?
Lembro-me de uma noite em que eu e os restantes Cariñicos decidimos fazer uma espécie de terapia de grupo como actividade recreativa. Fomos para o apartamento de um dos elementos que constituem o grupo, sentamo-nos e falamos sobre as vivências que nos marcaram (e, em alguns casos, nos continuam a marcar) de forma negativa. Cada um partilhava aquilo que lhe ia na alma, de forma despudorada e com muito riso à mistura. Inevitavelmente, eu acabei a fazer de psicóloga, devido ao meu hábito de fazer inúmeras questões: “O que é que sentiste nessa altura? Porque é que achas que isso aconteceu?”. Não foi preciso fazer psicanálise ou dissecar corpos para perceber que temos todos as mesmas inquietudes.
Ao longo da nossa infância, queremos ser acarinhados pelos nossos pais, queremos tirar boas notas ou destacar-nos em alguma actividade, queremos ter amigos. Na adolescência, queremos ser desejados pelo sexo oposto (ou pelo mesmo!), queremos afirmar-nos como pessoas com personalidade própria. Mais tarde, preocupamo-nos com o nosso futuro: queremos ir para uma Universidade de destaque ou trabalhar numa empresa de sucesso, queremos construir uma carreira em que sejamos respeitados pelos nossos pares. E claro que queremos ter uma família, uma casa (ainda que seja arrendada) e um carro (ainda que seja em segunda mão). Queremos viajar e ser felizes. Pelo meio, temos medo de ser rejeitados, de não ser suficientes, de nos tornarmos um fracasso. Tudo isto, enquanto algumas vozes da sociedade nos gritam aos ouvidos que todos, sem excepção, podemos ser especiais – é algo que está ao nosso alcance. E nós agarramo-nos a esta ideia, sem nos apercebermos da ironia de que se todos formos especiais, ninguém o é na realidade. A verdade é que somos todos feitos da mesma massa – sejamos de Portugal, da Alemanha, da Finlândia, da Eslováquia ou da Geórgia.